Tema 199 - DAMA-DA-NOITE
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E. Rohde

Quando Padre Bento abriu a igreja deu de cara com o inusitado. Em vez dos mendigos dormindo nas escadarias como todos os dias, a primeira coisa que viu foi uma mulher, em pé, querendo entrar. E não era uma carola que chegou cedo para a missa das seis, como às vezes acontecia. Essa, de religiosa, não tinha nada. Jovem, decote escandaloso, mini-saia, salto-alto, chiclete, maquilagem. Padre Bento entendeu logo do que se tratava: uma prostituta.

Nem bem abriu a porta, ela entrou:

- A senhora não pode entrar assim. Esta é a casa de Deus - ele objetou, timidamente, correndo atrás dela.

- Preciso me confessar.

Padre Bento pensou na sua missão de pastor de almas, consultou o relógio, ajeitou a barriga dentro da batina e decidiu:

- Nesse caso... Mas que seja rápido. Às seis tenho uma missa para rezar e é bom que a senhora esteja bem longe daqui quando os fiéis chegarem.

Foram para o confessionário, ela se ajoelhou e o resto ficou entre os dois. O que, exatamente, ela confessou é matéria que não cabe especular. Fazê-lo equivaleria a violar o segredo da confissão. Aqui basta saber que a penitência dada envolvia rezar um certo número de preces diante do altar da Imaculada.

Enquanto ela pagava os seus pecados, Padre Bento seguiu com seus afazeres acendendo velas, enchendo fontes de água benta, dispondo livros de cânticos ao longo dos bancos. Mais de uma vez teve que interromper sua lida para ajudar aquela ovelha sedenta de redenção a recordar uma estrofe do Pai Nosso ou um trecho da Ave Maria.

Poucos minutos antes das seis começou a chegar gente. A viúva do senador, que vinha todos os dias; Seu Jorge com a esposa; aquela senhora que Padre Bento conhecia só de vista; um homem que ele nunca viu - tinha sempre um estranho. Ocupado em saudar os fiéis, Padre Bento acabou se esquecendo da moça incômoda lá na frente, fora da vista de quem entrava, mas não de quem estivesse dentro.

Quando se lembrou pediu desculpas apressadamente, disse que o esperassem ali e foi resolver o problema. Se aproximou da puta e tocou seu ombro, paternalmente:

- É suficiente, vamos.

- Ainda faltam três Gloria ao Pai.

- Está bem assim.

Contrariada, ela acompanhou o velho padre que, não podendo fazê-la sair pela porta principal, levou-a através da sacristia pela passagem que vai dar na residência paroquial. Chegando lá, ouviram barulhos vindos da cozinha e ele empurrou a moça para dentro do banheiro enquanto ia investigar. Encontrou a empregada:

- Cleusa, tão cedo?

- Padre? O senhor aqui a essa hora? Não tem missa?

- Vim beber um copo d'água. Hoje acordei com uma sede...

- Então deixo a cozinha para o senhor e vou limpar o banheiro.

- Não, o banheiro não.

- Tem algum problema?

- Não, é que... assim tão cedo... por que a pressa?

- Eu sempre limpo o banheiro antes do senhor voltar da missa, caso não tenha notado.

- Não. Sim. Quero dizer...

- ?

- É que eu estava pensando. Por que você não começa pelo quarto de dormir? Meu quarto está uma bagunça. Eu vim justamente para lhe dizer que, de hoje em diante, quero que você arrume primeiro o quarto. É muito importante ter o quarto em ordem quando volto da missa.

- Eu faço sempre os dois. O senhor está dizendo que minha limpeza deixa a desejar?

- Muito pelo contrário. Você é fantástica. Parabéns. É que... porque o quarto... você entende... um padre não pode... tem um versículo na Bíblia...

- Na Bíblia?

- É por causa dos germes, Cleusa.

- Germes?

- Germes! Há tempos que estou para lhe dizer isso. Você limpa o banheiro, depois vai para o quarto e leva todos aqueles bichinhos com você. Ontem mesmo encontrei germes de banheiro na minha mesa-de-cabeçeira. Eu fui botar a dentadura no bicarbonato e lá estavam eles. Isso é inadmissível.

- O senhor me desculpe, eu não sabia.

- Vai trabalhar que está ficando tarde.

E empurrou a pobre Cleusa para dentro do quarto. Quando ela voltou para pegar o espanador, flagrou o padre no banheiro, com a cabeça de fora, vigiando o corredor.

- Xixi! - disse ele antes de fechar e trancar a porta.

Nisso tocou a campainha e Cleusa foi atender. Era Seu Jorge, que queria saber se o padre iria demorar muito.

- Por que o senhor não entra e fala com ele?

Dentro do banheiro, o padre tentava ajudar a puta a escalar a janela. Depois de uma longa e desajeitada tentativa, os dois se desequilibraram e foram para o chão, ruidosamente. Do lado de fora, Jorge se preocupou:

- Padre, o senhor está bem?

A puta desatou a rir. Jorge ouviu mal e concluiu que o padre estava gemendo:

- É infarto.

Tentaram arrombar a porta mas, sendo ele velho e Cleusa fraca de saúde, não conseguiram.

- Chame uma ambulância. E os bombeiros. Avise também o bispo.

A essa altura a puta perdeu a paciência. Do que é que ele tinha medo? Ela não fez nada de errado, ele também não. Que saissem a descoberto e contassem a verdade.

- Quem não acreditar que se foda.

(Continua...)

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