AOS
PORTÕES DO PALÁCIO
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E.
Rohde
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Às terças-feiras, quando não havia deliberação do conselho, o rei saía do castelo disfarçado de plebeu. Levava sempre consigo uma moringa, porque no deserto era difícil encontrar água fora do palácio, mesmo na cidade. Cada cidadão tinha direito a uma ração diária de água, que era distribuida pela manhã junto ao muro do palácio. Um dia, durante o seu passeio de terça-feira, o soberano foi abordado por uma mulher. Disse que seu marido estava doente, e que por isso não pode ir buscar a sua ração de água no palácio: - Visto que o senhor tem boas relações com o palácio, porque lhe deram água fora do horário estabelecido, peço que o senhor interceda por nós para que nos dêem aquilo que é um nosso direito. O rei, que podia muito bem satisfazer a mulher, achou melhor manter o seu disfarce e respondeu com uma gargalhada: - Boas relações com o palácio? Quem a senhora pensa que sou? O rei só tem boas relações com a rainha. Tome, beba um pouco desta água que me deram pela manhã e leve outro pouco para o seu marido. Só não me esvazie a moringa, porque é tudo o que eu tenho e tem que durar até o próximo nascer do sol. A mulher deitou um pouco d'água para a sua moringa, agradeceu e foi embora. Enquanto isso, outras pessoas que passavam e ouviram a conversa foram formando um círculo em torno do rei disfarçado. - É isso mesmo, o rei só se preocupa com o rei, disse um. - No palácio, eles têm toda a água que querem, quando querem, e nós que passemos sede, disse outro. - É uma vergonha, disse o rei sem saber como sair daquela situação. - Meu filho morreu quando tinha três anos por falta d'água, confessou uma mulher. - Quando eu nasci, minha mãe adoeceu e, por falta d'água, faleceu, disse alguém. E todos se perguntavam o que aquele homem teria sofrido para começar aquele debate subversivo no meio da rua. O rei então inventou uma longa história de como tinha perdido toda a sua família e de como era tudo culpa do rei. A medida em que contava mais e mais gente foi se aglomerando e os ânimos foram se exaltando. No final do relato a massa ensandecida tomou a estrada do palácio e investiu contra os portões até levá-los abaixo. Capturaram a rainha, o primeiro-ministro e todos os conselheiros. Antes da execução, foi o próprio rei a fazer o mais inflamado discurso condenando a monarquia e saudando a república nascente. |
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