O
SONHO DE JOAQUIM
|
|
Adriana
Vieira Bastos
|
|
Joaquim era pacato e solitário. Todo dia acordava cedo, limpava a pequena casa, passava pelo minúsculo quintal, dava milho às galinhas Jussara e Rita, ração ao porco Pepe e saia para trabalhar. Nesta vidinha regada à mesmice diária, acalentava consigo um único sonho: ter ainda um "sitiozinho" para dar aos seus bichos de estimação um espaço maior e um lugarzinho para plantar. Juntava todas as suas economias, embora soubesse ser temerário depender delas. Mais fácil seria se engajar no movimento Sem Terra para atingir este sonho, coisa que arrepiava só de pensar. Mas, Joaquim não desanimava. Toda semana fazia uma fezinha na mega sena. Afinal, dizia seu pai, "a esperança é a última que morre". Eis que, num certo dia, lá estava Joaquim no boteco do Jair como de costume, tomando uma pinga e acompanhando o resultado da mega. Conforme riscava os números, ia sentindo uma pressão no peito, o suor escorrer pela face e a freqüência cardíaca disparar. Tentando disfarçar o nervosismo, saiu de fininho do boteco e sentou-se no banco da praça. Não gritou, não esperneou, mas por pouco quase enfartou. Neste misto de emoções desenfreadas, Joaquim descobriu que sua vida não seria mais a mesma: era o mais novo milionário das redondezas. Assim que recebeu o dinheiro, pediu demissão do emprego e dirigiu-se a imobiliária em busca do sítio, símbolo da "paz tão sonhada". Como dinheiro não era mais problema, convenceram-no a comprar o sítio mais caro da região. Comprou e foi pro boteco comemorar. Até Soraia, morena sensual, faceira, sua paixão platônica, apareceu na sua festa, oferecendo-lhe para ajudá-lo a deixar o sitio aconchegante. Os dias iam se passando, e com eles Joaquim se atordoando. Soraia, que antes não sabia de sua existência, descobrira que haviam nascidos "um para o outro" e pediu para morar com ele. Embora considerasse precipitação neste pedido, o amor secreto que nutria por ela falou mais alto. Desfrutar a paz ao lado da amada era um sonho doce demais. Doce demais? Nem bem fixou residência no sítio, Soraia quis mudar todos os móveis da casa. Joaquim não via necessidade, mas como sempre tinha na cabeça que casa era coisa de mulher, aceitou a sugestão. Algumas coisas não conseguia entender: Como Soraia queria que ele pagasse uma fortuna por um quadro em que havia apenas um monte de tinta jogada nele? Mas Soraia dizia que era a tal da arte moderna. Era o must. Como Joaquim não sabia o que era "must", preferiu achar que o quadro era bom mesmo. Soraia ainda acrescentava que ele agora era chique, podia ter tudo que quisesse, mesmo que não precisasse. Não era assim que o rico fazia? Soraia completava. Joaquim, começou a estranhar a situação. Do nada, o Gerente do Banco passou a chamá-lo de Doutor. Mas depois pensou: se até o Presidente que não tinha estudo podia ser Presidente, porque ele que era analfabeto não podia ser Doutor? Conforme o tempo passava, a paz sonhada transformava-se num verdadeiro inferno. Soraia, sempre muito ativa, organizava festas e mais festas. Se não bastassem as festas, aos poucos foi trazendo a família para morar com eles. Primeiro os pais. Depois os irmãos. As namoradas dos irmãos. E um primo que não parecia primo. Tentava reclamar, mas Soraia sabendo de seu ponto fraco, ronronava em seus ouvidos as juras de amor que nunca escutara, fazendo-o sentir-se egoísta. E neste pesadelo Joaquim passou a viver até o dia em que chegou ao sítio e, como de costume, foi dar um oizinho para Jussara, Rita e Pepe. Que susto levou ao encontrar o galinheiro e a pocilga vazios. Ao entrar em casa, viu a mesa posta e quase caiu horrorizado. Lá estavam seus bichinhos de estimação. Soraia, sem pestanejar, disse que eles estavam enfeando a decoração. Para completar, ainda foi obrigado a ouvir que seus bichinhos estavam muito gostosos. Ele deveria experimentar. Joaquim deu um murro na mesa, olhou para todos, não murmurou uma palavra sequer e foi para o boteco onde tudo começou. Quem sabe, quando chegasse lá, acordaria como várias vezes acordara depois de uns goles a mais, e acabava voltando para sua casa? Chegou ao bar e viu que não tinha como despertar. Pediu uma dose dupla de cachaça e estava pronto a tomar num só gole quando um forasteiro bateu-lhe às costas e perguntou sobre as características da região. Meio atarantado, achou por bem conversar. Quem sabe desanuviava e encontrava uma solução para sua vida. Conversa vai, conversa vem, o novo amigo disse que estava pensando em ter um lugarzinho para fixar raízes. Já estava cansado de passar a vida dentro de um trailer. Joaquim olhou para o homem e, na mesma hora, perguntou se ele queria trocar o trailer pelo seu sítio. Com tudo que estava dentro. O homem, que acabara de saber sobre Joaquim, considerou excentricidade de um novo rico e não pestanejou. Foram direto para o Cartório e realizaram a transação. O homem saiu regozijando em direção ao "grande" negocio que fizera: por uma bagatela havia comprado um sitio com "porteira fechada". Quanto a Joaquim? Este pegou o trailer e nunca mais se ouviu falar dele. |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|