Tema 197 - TEMA LIVRE
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DONA MATILDE TEM FILHA NA EUROPA II
E. Rohde

(continuação da crônica publicada na atualização n° 181)

Poucas horas antes, Solange estava na biblioteca quando tocou o celular. Do outro lado da linha um homem se apresentou falando italiano com sotaque marcadamente paulista. Era um oficial do consulado do Brasil em Roma. Explicou que o seu número tinha sido encontrado na bolsa de uma senhora que passou mal no aeroporto:

- Uma brasileira, Matilde Araujo.

- Mamãe?

- A senhora é filha?

Trocaram generalidades, como cor do cabelo, altura, idade. Os dados batiam.

- A senhora tem como vir com a máxima urgência?

Solange correu para a estação, comprou uma passagem e entrou no primeiro trem para Roma. Naquela aflição, não sabia se estava fazendo a coisa certa. Aquilo podia ser um trote ou então um mal-entendido resolvível por telefone. Mas não podia evitar. Seu corpo se movia sozinho, ela era só o carona.

No aeroporto, foi recebida por uma funcionária que a acompanhou através de vários postos de controle onde teve que mostrar seus documentos e explicar não sei quantas vezes que o permesso di soggiorno estava em vias de ser renovado, que aquele recibo era válido até que o original ficasse pronto, e que se quisessem que reclamassem com o Ministério. Como se não bastasse o drama familiar que estava vivendo. Em outra ocasião teria perdido a paciência.

Finalmente encontrou a mãe, foi inteirada da história, da absurda história de como ela foi parar ali.

- Mas, mãe, porque você não telefonou?

Matilde não tinha resposta. Queria explicar do medo que teve, de como o que lera tinha parecido tão absoluto. Só conseguia abraçar a filha e sorrir.

Jantaram juntas a comida que uma policial trouxe em uma bandeija, depois da visita da enfermeira. Não havia nada que impedisse Dona Matilde de ficar na Europa e acompanhar a filha até Milão, mas as duas conversaram e decidiram que era melhor a mãe voltar logo para o Brasil. Agora, mais do que nunca, tinha que trabalhar. Tinha uma dívida para pagar dessa sua aventura louca.

A mãe pediu que Solange voltasse com ela. Solange queria ir, mas não podia largar a universidade. Ausentando-se agora, corria o risco de perder a bolsa de estudos.

Solange acompanhou Matilde até o portão de embarque, depois voltou para a estação Termini. Era tarde, àquela hora já não partiam mais trens para Milão e Solange não tinha dinheiro para pagar um hotel.

Passou a noite sentada num banco, entre bêbados e mendigos, pensando em como seria estar no avião com a mãe. Sentia saudades do Brasil, se preocupava pela mãe doente, mas ao mesmo tempo sabia que se estivesse indo embora estaria traindo a si mesma.

Matilde desembarcou em São Paulo sem a mala, que ficou esquecida em algum hangar do Aeroporto Leonardo Da Vinci. Foi procurar Eluana, a funcionária que a havia ajudado na viagem de ida. No balcão da companhia, ninguém a conhecia. Matilde insistiu até que um supervisor foi controlar as escalas de trabalho:

- Sim, tem uma Eluana aqui. Ela faz o turno da noite. Posso ajudar?

- Não, obrigada. Era só com ela mesmo.

Queria agradecê-la pela ajuda no outro dia, dar os biscoitos italianos que comprou no Free Shop e aproveitar para pedir um último favor: um auxílio para recuperar a bagagem e embarcar para casa. Se não tivesse uma pessoa conhecida que ajudasse, preferia perder a mala e voltar de ônibus.

E foi assim que fez. Pegou uma condução até a rodoviária e embarcou no primeiro ônibus semi-direto.

Viajou ao meu lado. Antes mesmo da parada em Registro, teve tempo de me contar toda a sua história:

- ... tava escrito assim: "se a oferta for boa demais, desconfie", me subiu o sangue pra cabeça, era bem isso que eu tinha pensado quando ela falou da bolsa... e quando eu cheguei lá, que me perdi? Passei até mal, fui parar no hospital, acho que foi um fusirário que me deu... Falei pra guardinha: "vai lá na Universidade e procura a Solange Araujo, diz que a mãe dela chamou"... Fiz ela prometer que não ia mais se meter em encrenca... Que horas são? Ih, tá na hora do meu remédio... Me deram esse remédio aqui, ó, importado, no SUS não tem...

Tomou o comprimido e logo estava profundamente adormecida.

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