SENTIDOS
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Aline
Carvalho
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Eu te vejo e na minha retina desgastada a imagem que se forma é a do moço que você foi: os cabelos, finos anéis descendo pela testa e pela nuca, a nuca - minha parte favorita do seu corpo. Olhos esverdeados que passou em sua herança, óculos míopes, armações pretas e grossas, ar de seriedade que só eu sei - na intimidade não existe. Eu te vejo e a minha retina esgarçada reflete a visão das roupas simples e dos sapatos baratos. Eu te vejo e a minha retina desgraçada quer ver mais além do que apenas é um reflexo da luz. Eu te cheiro, e o meu olfato - aguçadíssimo - me revela sabonete, desodorante e um cheiro limpo e honesto de pele - mesmo depois de um dia inteiro de trabalho. Eu te cheiro, e o meu olfato perigoso me diz que, se o seu cheiro não fosse esse, não haveria amanhã. Eu te cheiro, e o meu olfato felino sente que é voltar para casa, cada vez que eu te cheiro. Eu te toco e as minhas mãos famintas encontram sempre abrigo na tepidez do seu corpo. Morno, morno, é morno debaixo das cobertas, exceto, é claro, quando faz febre, seja que motivo for. Orelhas frias é fundamental, minha mão sobe pelo seu pescoço e, dependendo do dia e da hora, você deixa. Os pêlos nunca me incomodaram, na medida certa, macios. Eu te toco e minhas mãos sedentas sabem que sempre deveria ter sido assim. Eu te escuto e meus ouvidos sensíveis às vezes se irritam, mesmo sabendo que aquel e som, segundo suas palavras, é só para mim. Eu te escuto e meus ouvidos sábios se espantam com a sua sabedoria. Eu te escuto e meus ouvidos roucos às vezes não entendem essa língua estranha falada pelos homens que dizem vou sair dizendo quero ficar. Logo eu volto, essa é a história da minha vida, eu te escuto e meus ouvidos tristes te esperam. Eu te vejo, cheiro, toco e escuto. Mas eu quero mesmo é te provar. |
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