ATO IMPENSADO |
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Valéria Vanda de Xavier Nunes |
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O pátio da escola naquele momento, fervilhava de mocinhas e rapazes. Era a hora do intervalo. Escondida atrás do banheiro das meninas, Letícia não se decidia a se juntar às colegas que a chamavam aos gritos. - Letícia... Letícia! Estamos aqui. Vem conversar conosco! Desde que havia se mudado com a sua família de uma cidade pequena do interior para a cidade grande, ir à escola havia se tornado um verdadeiro suplício para Letícia. Não por que ela não gostasse de estudar. O que a preocupava e entristecia, era ver as suas colegas tão alegres, despreocupadas e seguras de si. Desde o momento que tinha chegado àquela nova escola, ela sentia que não fazia parte daquele grupo. Por mais que se esforçasse, sempre se sentia como um peixe fora d'água. Na cidade onde nascera e crescera, sempre fora uma menina e uma pré-adolescente alegre, descontraída, segura de si, que se envolvia nas atividades escolares sempre como líder de turma. Mas ali, naquela escola tão grande, ela se sentia perdida, diferente das meninas da cidade grande. Não estava sendo fácil se adaptar a esta nova realidade. Em sua casa, as coisas também não andavam nada bem. A adaptação na cidade grande também estava sendo difícil para eles. A família era grande, com muitos irmãos pequenos e poucos trabalhavam para ajudar em casa. A situação financeira da família com a mudança para esta vida nova, não era das melhores e isso refletia no comportamento e no aprendizado de Letícia. Ela não tinha uma "mesada", não era como as outras alunas, que levavam dinheiro para comprar seus próprios lanches. Letícia levava o seu lanche de casa, quando podia e quando tinha. Um lanche simples que a deixava com vergonha diante das colegas. Muitas vezes, a hora do lanche se tornava uma tortura para ela, pois via as colegas comprando lanches deliciosos na cantina da escola, e ela própria, mesmo com muita fome, tinha que fazer um ar de indiferença e mentir para elas, dizendo que não estava com fome, recusando muitas vezes o que lhe ofereciam. Esta situação fazia com que Letícia se sentisse diferente diante das colegas, chegando a interferir nos seus estudos, dificultando a assimilação dos conteúdos e diminuindo assim, a sua aprendizagem. - Estamos te achando triste Letícia. O que está acontecendo contigo? Conta pra gente. As colegas continuavam puxando conversa com Letícia que permanecia calada em seu canto. - Não é nada. Estou bem, podem acreditar. Letícia sempre respondia com evasivas. Sabia que as colegas gostavam dela, mas não conseguia conversar com elas normalmente. Não conseguia se sentir parte daquele grupo, principalmente neste dia, em que se escondeu atrás do banheiro para que ninguém a visse. Este dia estava sendo o pior de sua vida, pois, estava vivendo - acordada - um grande pesadelo. Aquilo que lhe estava acontecendo em plena escola, era sem sombra de dúvidas, um terrível pesadelo do qual ela precisava urgentemente acordar. Letícia havia saído de casa para a escola naquele dia, vestindo uma calçinha já muito usada. Era uma calcinha feita em casa por sua mãe. O elástico, já muito gasto pelo uso, havia se quebrado quando ela tinha ido ao banheiro e tinha sido impossível consertá-lo mais uma vez. O elástico de sua calcinha velha tinha chegado ao fim dos seus dias. Letícia estava desesperada, pois não sabia como contornar aquela situação tão desesperadora. - Como vou sair daqui sem calcinha! Será que as pessoas vão perceber algo estranho em mim? Perguntava-se Letícia, sozinha no banheiro. Decidiu por fim, enrolá-la em um papel e jogá-la no lixo, na esperança de que nunca, jamais fosse encontrada por alguém. Ainda bem que àquela hora, as colegas estavam todas no pátio, lanchando e conversando. Sua maior preocupação era pensar que todos perceberiam que ela estava sem as roupas íntimas. Para ela, era como se o olhar das pessoas pudesse penetrar através da farda e ela se tornasse transparente aos olhos delas, sendo então, descoberta. Aqueles foram os piores momentos da sua vida. As colegas continuavam conversando e tentando incluí-la na conversa. - Vamos Letícia. Fala alguma coisa. Você está muito mais calada hoje, e você não é assim. É verdade, ela era por natureza, uma menina alegre. - Vamos passear no centro da cidade, depois da aula? - Não sei, vamos ver. Vou pensar. Respondia Letícia, evasivamente. Sabia, no entanto, que não as acompanharia naquela farra. Pelo menos não "naquele dia". Enfim, o intervalo acabara. As aulas recomeçaram e já estava quase na hora de voltar para casa. Letícia se sentia péssima. A toda hora olhava para a porta da sala de aula, pois achava que a qualquer momento, apareceria alguém com uma calcinha velha na mão perguntando quem a teria "perdido". A volta para casa naquele dia, seria mais um suplício para Letícia. Durante a aula, ela não parava de pensar em como conseguiria atravessar aquela velha ponte por onde teria que passar para apanhar seu ônibus de volta para casa. A travessia pela ponte, sempre se dava em meio a uma enorme corrente de ar, capaz de levantar qualquer saia feminina. Era sempre um sufoco passar por ali, principalmente, quando se estava como ela, sem as roupas de baixo. - "E se eu não conseguir segurar os livro e a saia ao mesmo tempo; e se o vento me deixar nua em plena ponte? O que será de mim? Que vergonha, meu Deus!" Estes pensamentos tomaram conta da mente de Letícia durante todo o resto das aulas, naquele fatídico dia. Enfim, as aulas acabaram. Letícia despediu-se das colegas. Claro que não aceitou o convite de ir com elas para o centro da cidade olhar vitrines. A sua cabeça e o seu espírito não estavam para folguedos. Deixou que as colegas se distanciassem um pouco e depois saiu sozinha, na companhia apenas de seus pensamentos e de suas desventuras. Caminhava cabisbaixa, sentindo nas costas o peso das suas preocupações. Venceu com dificuldades as correntes de ar da velha ponte, fazendo um esforço enorme para segurar as saias e os livros ao mesmo tempo. Ao chegar ao centro da cidade, a visão de uma loja de roupas íntimas - cujo nome era "Casa da rendas"- bem ali, a sua frente, levou-a a ter pensamentos que certamente, em outras circunstâncias, jamais teria. Falando sério! Aquelas belas calcinhas, penduradas nas paredes e portas da loja, eram um convite à loucura que se passava em sua mente. Letícia não parou para pensar. Armou-se de coragem. Entrou na loja e começou a escolher várias calçinhas como se fosse uma provável compradora. Sabia muito bem que não tinha nenhum dinheiro para comprar nenhuma delas. Concentrou-se no que planejara fazer, e tremendo como uma vara verde, se esquivando entre as vendedoras, deu um jeito de esconder uma delas atrás dos livros que carregava de encontro ao corpo. Feito isso, saiu sorrateiramente da loja, sondando e espreitando para ver se alguém a havia seguido, entre desesperada e amedrontada. Entrou em uma lanchonete. Pediu para ir ao banheiro sob o olhar enviesado de um dos garçons. Sozinha e em segurança, sem pestanejar vestiu rapidamente a sua primeira calcinha de renda, que trazia escondida entre seus livros. Agora sim, ela podia respirar com facilidade. O medo havia passado. Enfim, estava salva. Naquele momento, não passou pela sua cabeça o que seria mais degradante para ela: ser descoberta nua, andando pelas ruas da cidade, ou presa; por roubar roupas íntimas em uma loja. Nada para ela importava naquele momento. O que importava é que estava vestida. Saiu da lanchonete com a cabeça erguida. Já não tremia mais. O medo havia se evaporado como bolinhas de sabão ao vento. Na calçada, olhou para um lado, olhou para o outro, ajeitou os livros nos braços, segurou-os de encontro ao peito como para se proteger do mundo; e disse para si mesma: - "Acabou. Agora, é voltar para casa." |
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