Tema 196 - FALANDO SÉRIO
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VIAGRA? FALA SÉRIO...
Sonia Regina R. Rodrigues

Laura namorava sistematicamente homens mais velhos. Bem mais velhos. Passara por experiências horríveis com apressados jovens de sua idade, obcecados pelo próprio desempenho.

- Três em uma noite. Eu não sou demais?

- Tem razão, três rapidinhas é demais para qualquer mulher. - sorria Laura, vingada pela certeza de que o companheiro não atinava com a ironia.

Os homens com mais de trinta e cinco, no entanto, que maravilha! Esses homens sabiam que só teriam uma chance de agradar a mulher, então caprichavam nas preliminares. Espertos, tratavam de descobrir e explorar os carinhos certeiros para cada particular mulher. Esses homens tinham, como citava Chico Buarque em uma de suas letras mais eróticas, 'a calma dos casais'.

Laura encantava-se com estes homens mais velhos porque respeitavam o ritmo do desejo dela e não porque - bem, talvez, mas certamente não era este o ponto chave da questão - tivesse uma forte fixação de infância pelo pai.

E foi feliz em seus amores edipianos até a descoberta do Viagra.

Foi surpreendida em um jantar pelo olhar maroto do companheiro que exibiu a pílula azul logo no início da noite.

- Esta promete! Vamos deixar o jantar para depois antes que o efeito passe. Se precisar, eu tomo outro mais tarde.

O maravilhoso antes desaparecia e ainda viria a tortura do depois!

Aqueles cavalheiros de cabelos grisalhos transformavam-se em apressadinhos surdos de dezenove anos.

Antes do Viagra a mulherada se sacrificava na juventude na certeza de ser paparicada na terceira idade. Bem, depois do Viagra parece não haver mais esperança para a mulher. Pressa, egoísmo, desatenção e atléticas performances sem ternura seriam o destino trágico inexorável das mulheres de Atenas, do Brasil, do mundo inteiro.

Há efeitos colaterais...

- Danem-se os efeitos colaterais! Sonho em morrer feliz! - e o sujeito já vai engolindo logo dois comprimidos de uma vez, tanto é o seu desejo de morrer no paraíso, ou seu equivalente masculino no planeta Terra.

Um certo fim de semana, o parceiro mais recente de Laura abriu a carteira e exibiu a maldita cartela. Ela protestou:

- De jeito nenhum! É quase meia noite, a viagem foi longa e eu faço questão de dormir.

Mal humorada, ela agarrou-se ao travesseiro e deu as costas ao desapontado, saudosa dos charmosos anos setenta, quando havia festivais de boa musica, computador e celular só existiam a bordo da Enterprise e ninguém imaginava algo parecido com Viagra.

A luz do sol ensaiava aparecer quando o desejo masculino sussurrou em sua orelha que ficasse em tal posição assim, assim, pois o comprimido já estava fazendo efeito. Lavar o rosto, pentear os cabelos, um mínimo ritual matinal civilizado era aparentemente dispensável. O diabo da pílula devolvia a libido masculina ao estágio anterior de barbárie total.

Fortes garras a imobilizaram como tenazes de ferro e aí aconteceu.

- Eu sei muito bem o que você fez, sua bruxa, e esta é a hora da minha vingança. Eu vou matar você, ah,ah, ah...

A voz cruel descreveu os detalhes de um ritual satânico de séculos atrás, e como ela, um súcubo, o fascinara e perseguira até causar-lhe a morte por enforcamento. E como ele, jurando vingança, a reencontrara em Salém, ele, padre, ela, prostituta tentadora que ele condenara à fogueira. E o discurso alucinado prosseguia descrevendo reencarnações sucessivas onde desejo e ódio assassino se fundiam, blá, blá, blá.

Imóvel, mal ousando respirar, ela esperava o perigo passar, aterrorizada com a veemência das violentas emoções e com o vocabulário vulgar com que ele descrevia detalhes escabrosos.

Em determinado momento, ele suspirou. O sol já estava bem alto no céu.

As mãos que a imobilizavam tornaram-se de novo gentis e uma voz familiar sussurrou:

- Querida, acho que perdi a hora. Por que você não me acordou antes? Vamos levantar e tomar café. Quer que eu faça suco de laranja para nós?

Ela o viu voltar do banheiro penteado, cheiroso, envolto em um roupão de seda. Foi surpreendida com flores frescas sobre a mesa, e bebeu calada a refeição que ele serviu para ela. Atenta, aguardava a primeira oportunidade para fugir. Ele disse:

- Eu gostaria de ter aproveitado melhor a manhã. Pensei ter posto o despertador para tocas às seis.
Tocou.

- E você não me chamou por quê?

- Você não se lembra?

Ele não se lembrava. Pior, nem acreditava nela. Foi tão sincero que ela quase acreditou ter tido um pesadelo. As marcas em seus braços e os dois buraquinhos vazios na fileira de comprimidinhos azuis, no entanto, confirmavam a versão dela.

Ele ficou arrasado. Uma conversa com o médico, na semana seguinte, esclareceu uma parte da situação - a amnésia.

- Algumas vezes o Viagra produz amnésia.

- E liberta o Mr. Hyde - resmungou ela entre dentes, sendo totalmente ignorada pelos ouvidos masculinos.

Em resumo, a verdade conseguia ser pior do que ela suspeitara. Os gentis cavalheiros de meia idade transformam-se em adolescentes narcisistas tarados e ainda por cima vão culpar as mulheres pela falta do sexo que eles se esqueceram de ter feito.

Fala sério... Bem...

A ciência já explicou a amnésia.

Laura está engajada em outra pesquisa. Se, no momento da amnésia, algum conteúdo psíquico oculto é liberado, talvez, e esta é uma possibilidade interessante, talvez, repito- esta é a esperança feminina - dentro de algum espécime masculino haja ternuras escondidas, à espera da mulher que ouse levantar a tampa desta caixa de Pandora que é o cérebro masculino.

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