O vilarejo se espalhara em uma plataforma formada em meio ás montanhas brilhantes do nordeste de Minas Gerais. Olhando da rodovia que seguia para a Capital o que sobressaia era a igreja de Santo Antonio, majestosa e altiva protegendo o pequeno vilarejo. Havia cerca de 2000 pessoas concentradas ali e outras tantas em pequenos sítios na área rural; a maioria levava uma vida pacata e simples. Ali o progresso demorava á chegar, parecia um lugar parado no tempo.
O meio de transporte era o cavalo, a carroça, a bicicleta, alguns caminhões antigos e dois carros da prefeitura. Até o dia em que Jaime, o dono do bar, apareceu com um automóvel da cor amarelo ovo, chamando a atenção para si. O homem estava orgulhoso pela aquisição de um meio de transporte que levaria a família inteira. Era um carro da marca Wolksvagem, "Fusca" com nome de "Bala".
Dera o cavalo, a bicicleta e ficara devendo algumas prestações. Sua esposa não poderia saber ou teria problemas, queria levar a mulher e as crianças para passear; era o único jeito de saírem juntos. A mulher estava grávida, era a quarta gestação e desta vez ela teria o bebê na maternidade e não em casa como das outras vezes; queria lhe dar esse presente. Esperaria até começar as contrações e a levaria á cidade vizinha onde havia Hospital.
Jaime e Rute passaram a ser considerados o casal Vip da redondeza, todos queriam dar uma volta no auto. O homem lavava e lustrava a máquina, nos finais de semana. Cuidava de manter a beleza, porém da parte mecânica ele nada sabia. Depois levava a família á missa e guardava sua preciosidade para uma ocasião especial. Pelo tamanho da barriga de Rute logo precisariam da condução para ir á maternidade. D. Mina, a parteira, ficava com ciúmes do carro, pois perdera uma cliente e se a moda pegasse ela ficaria sem serviço.
O automóvel ficou parado na garagem por vários dias aguardando um sinal para sair, levando sua dona. Mas, quando o sinal veio não havia quem fizesse ele dar a partida; era a bateria disseram os vizinhos. A mulher se contorcendo de dores e perdendo muita água, foi colocada no banco de trás e os vizinhos se posicionaram para empurrar o Bala na descida. Era só dar um tranco, todos concordaram.
Empurraram até o final da rua, no começo ainda parecia que iria pegar, mas, depois morreu de vez no meio do capinzal. Jaime teria que comprar uma bateria nova, alguém profetizou; todos se olharam espantados, e agora? Sua mulher iria dar a luz e não teria tempo para trocar nada; bateria nova só na cidade vizinha. A parteira não estava presente, Jaime estava em maus lençóis. Não havia nenhuma mulher para ajudar, só os vizinhos homens estavam ali.
Ao longe surgiu uma carroça carregada de capim, vinha lentamente, pois sua carga arrastava pelo chão; era o Raimundo levando comida para os cavalos de seu patrão. Jaime acenava para a carroça parar, precisava de ajuda. Queria que o homem levasse sua mulher até a parteira ou fosse busca-la. Todos olharam para a condução e abanaram a cabeça, impossível levar a parturiente. - Que alguém fosse buscar Dona Mina a pé, seria mais rápido que a carroça, afirmou o pai da criança.
O Mané saiu correndo morro acima; era o mais novo da turma e tinha fôlego. Precisava acudir o compadre, traria a parteira a qualquer custo, era caso de vida ou morte. Os vizinhos embaraçados ficaram longe alguns metros do automóvel enquanto o marido não se continha e andava ao redor do mesmo.
A mulher gemia e Jaime parecia fora de si, tamanha sua ansiedade. Seu filho estava nascendo no banco apertado do Fusca sem assistência médica e a culpa era sua. Precisava resolver aquela situação e depois venderia aquele automóvel traidor. Rute gritou e o homem entrou no carro para acalma-la, o seu filho não podia esperar mais.
Desesperado começou a orar, nunca sentira tanto medo, não sabia o que fazer. Olhando pelo vidro do carro soltou um suspiro de alívio ao ver a parteira surgir no alto do morro, o socorro estava chegando. Ela vinha a passos largos com sua maleta na mão, seguida do Mané com ar vitorioso.
Jaime saiu deixando a volumosa mulher ajudar sua esposa, logo após ouviu-se o choro de uma criança; era um menino saudável e robusto. Por um momento ele temeu que a mulher ficasse entalada dentro do carro. Dona Mina saiu sorridente com a criança nos braços e imediatamente pediu aos homens que empurrassem o veículo de volta para casa, a mãe necessitava de cuidados especiais, que ali não seria possível.
Nesse momento e com a notícia correndo apareceu muita gente pronta a empurrar o Bala. Com a força de muitos braços o automóvel subiu a ladeira levando a mãe e o filho; parecia leve como se fosse de pena de ganso. Quando parou frente á casa, todos aplaudiram, afinal aquela aventura terminara bem. A mulher entrou carregada pelo marido e a criança nos braços da parteira.
Quando Jaime saiu para agradecer aos amigos pela força recebida ouviu muitas risadas pela peça que o Bala lhe pregou. A parteira aproveitou a deixa e feliz da vida disse: -Agora, falando sério, a maternidade era no meio do mato e foi o Fusca quem decidiu assim "ou melhor" a falta de experiência do Jaime. Depois dessa história, vou ter serviço por muito tempo. Os presentes á aplaudiram e foram saindo concordando com a velha senhora.
Jaime ficou pensando que tinha muito que aprender sobre automóveis e ficaria com o seu, afinal a culpa do mico foi sua. Deveria ter ligado o carro todos os dias para manter a bateria carregada, somente agora ele soube disso. Falando sério, o risco que sua esposa e filho passaram deixava o homem nervoso; seria mais cuidadoso com sua família e com o "Bala" também.
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