TONICO E A MORTE |
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Elaine Brunialti |
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Hoje resolvi trapacear a morte, afinal hoje deveria morrer, é o dia marcado lá na folhinha do meu destino. Mas afinal como fazer isso, quem sabe me fingindo de morto. Boa idéia se não fosse a morte perita em fingimentos de morte. Então resolvi fingir que hoje era ontem e vivi novamente o dia de ontem. Acordei no mesmo horário, vesti as mesmas roupas, fui aos mesmos lugares e falei os mesmos assuntos com as mesmas pessoas, que julgava m eu tivesse enlouquecido. Tudo ia muito bem até as 15 horas, eu iria almoçar, fui ao mesmo restaurante, sentei na mesma mesa, pedi o mesmo prato do cardápio, mas então me dei conta o garçom era outro. Onde está o garçom que me serviu ontem? Sim, o Julio? Ah! O senhor não soube? O Júlio morreu! Devo ter pedido a cor, assim como perdi a voz, o pobre garçom que me atendia achou decerto que eu iria enfartar, ficou lívido me trouxe um copo de água, me abanou, solicitou um médico. Refeito do susto comecei a refletir, faria diferença o garçom não ser o mesmo? Teria o Júlio morrido em meu lugar? Ou será que morreríamos no mesmo dia? Aquilo me incomodou muito, afinal meu plano de enganar a morte tinha ido por água abaixo. Assim, pedi um prato qualquer do cardápio, afinal quem vai morrer não tem fome. Aproveitei, esqueci a lei seca e o carro que estava estacionado e tomei um grande porre. Afinal se vou morrer eu não quero nem ver. Sai do restaurante, de ixei o carro para trás, fui caminhando pelas ruas arborizadas dos Jardins. Comecei a pensar como será que vou morrer, já que vou morrer mesmo. Assaltado? Atropelado? Enfartado? Não, enfartado não ou o susto da hora do almoço já teria sido suficiente. E pensando nisso fui caminhando à esmo. Cruzei com velhos, jovens, cachorros, pássaros, pombas. Acho que as pombas vão dominar a humanidade, são tantas e também acho que logo não voarão mais, já reparou que pombas só andam? Voar só em último caso. E pensando nas pombas vi uma colisão, um assalto, um atropelamento, uma freada tão brusca que quase me estatelei na guia. Ali poderia também ter morrido, pois uma pancada na nuca poderia ser fatal. A noite já ia alta, a lua gigantesca no céu me fez pensar nas horas, perguntei a alguém que passava e recebi como resposta 23 horas. Começava a subir a rua Cardeal Arcoverde, onde fica o Cemitério São Paulo, quase fiquei por ali mesmo, economizaria transporte funerário, mas continuei a andar lentamente e já sonolento, o dia da minha morte estava terminando, eu em frente ao cemitério, a lua maior ainda e mais brilhante, o sereno da noite refrescando o ar. Pensei,uma bela noite para se morrer, mas com tanta demora já estava também ficando impaciente, afinal dona morte vem ou não vem, tô ficando cansado. Um pouco mais adiante percebi que estava sendo seguido por um enorme cão preto, apertei o passo, o cão também, corri, o cão também, virei direita, esquerda, direita e o cão lá no meu encalço, ufa, to ficando cansado, bem feito quem mandou não freqüentar academia. E o cão lá. Bati em uma casa cuja porta dava para rua, uma senhora abriu e sorriu enquanto o cão dizia: - Boa noite Tonico. Paff... cai... branco...Morri enfim, pensei. No dia seguinte lá estava eu deitado num lugar desconhecido, imaculadamente branco, limpo, cheirando a Pinho Sol. Pinho Sol, nunca pensei que o céu tivesse esse cheiro devaneei. A senhora de sorr iso aberto entrou, trouxe-me café e pães de queijo. Pensei, não morri. Senhora perguntei aturdido: estou morto? O céu cheira pinho sol e serve pão de queijo? Ela riu da minha pergunta, tranquilamente respondeu que eu estava em sua casa e não no céu. Perguntou por que afinal eu me achava morto. Contei minha história, ela riu novamente, entregou um bilhetinho e saiu. Abri o tal bilhete e comecei a rir, dizia: Caro Senhor Tonico, informamos que por engano de comunicação a Sra. Morte levou, para a cidade dos pés juntos, o Sr. Júlio, seu garçom. Assim, ficará adiada a sua partida para daqui a 30 anos, ocasião em que o Sr. Júlio deveria partir. Feliz pensei 30 anos a mais para se viver, idade 105 anos, isso me parece muito bom. Agradeci a gentil senhora a hospedagem e perguntei afinal o que era do cachorro, tenho certeza que havia me desejado uma boa noite. Mais uma vez ela sorriu e disse baixinho: Lobisomem, Seu Tonico, Lobisomem... |
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