Diário, meu confidente querido!
Quanto tempo...
Sim, sumi. Mas tenho minhas razões e assim que me explicar, tenho certeza de que você vai entender, você é o único amigo em que posso confiar plenamente, você sabe da minha vida inteira.
Depois da derrota do Van nas eleições para prefeito, francamente, fiquei desanimadíssima, com ódio do povinho ordinário desta Perdões fedorenta e insuportável - ah, esta cidade fede. Por dentro e por fora. As pessoas são muito burras por aqui, não sabem valorizar um político de ação como o meu marido, por isso deram preferência para o Rodrigues, aquele velhote babão, e a mosca morta da Gaidinha, mulher dele. É isso que me mata, diário, a Gaidinha no meu posto de primeira-dama! É uma injustiça. Sabe como chamo isso? De beleza desperdiçada. A minha beleza, diário, o meu charme.
Jadilúcia, minha irmã jornalista, tem umas teorias sobre a reação do povo. Para ela, a população sempre teve certo ódio do Van! Na cabeça louca dela, todo mundo "estava careca de saber dos roubos, mas ficou quietinho para não alertar os ânimos do Van e então, deu um bilhete azul para ele" - Jadi é tantã, o estudo deixa a pessoa louca, eu nunca perdi tempo na escola... Sei que muita gente nunca suportou o meu marido, mas nunca que alguém teria o topete de dizer que ele roubou naquela Câmara, ninguém é tão louco assim...
Porém, a vida do político é ficar torcendo para ver o que é que sai de dentro da urna, que urna é igual barriga de mulher grávida, nunca se sabe o que vai dar, mesmo hoje em dia, com máquinas poderosas, quantos já se enganaram, né?
Como estamos vivendo depois do terremoto da derrota?
Olhe, eu estou mixuruca porque até o Rogê, o meu Rogê, meio que me deixou de lado, afinal não posso dar mais toda aquela mordomia p'ra ele, você sabe, primeiro porque o Van vive por perto, pois desde que perdeu nas urnas não faz absolutamente nada - temos grana a rodo, a vereança foi muito, mas boa mesmo. Segundo porque eu também não tenho de onde desviar todo o dinheiro que uma noite na cama do Rogê representa no meu orçamento (antes eu tinha lá uns dez paus todo mês como funcionária fantasma, o Van estava se lixando para meus gastos na nossa conta conjunta, era muito dinheiro que entrava todos os dias, sabe como é, e isso acabou).
Mas, o Van...
O Van adotou um modo debochado de mostrar para o povo que ele não está nem aí com a derrota. Fique você sabendo que ele passa dias e dias inteiros andando pelo centro da cidade, em cafés, restaurantes, supermercados, lojas, bares, cabeleireiros até, enfim, pelo comércio, dando risada, contando piadas sujas e tirando onda com as pessoas. Dia desses, teve um arranca-rabo com Justino Varejão porque foi até a loja de R$ 1,99 do sujeito e começou a dizer em voz alta que nada ali dentro prestava, pegava as peças, examinava, xingava, atirava no chão, pisava em cima! Aí a mulher do sujeito ficou muito pê da vida e chamou o Varejão mais o filho deles que luta judô... Foi uma briga enorme, meu marido apanhou que nem tambu na festa, mas saiu gritando que o rapaz fumava maconha, que Varejão era corno... Um barraco. Sorte que Lucindo Torres estava por perto, pegou o Van e deu sumiço nele antes que pai e filho esquartejassem meu marido, Santa Bárbara!
O Lucindo você sabe quem é, aquele que o Van contratou para fazer o mastro de milhões de metros para hastear a bandeira de Perdões na Câmara. Lucindo nunca prestou, mas passou a ser marceneiro requisitado depois que o Van deu serviço a ele, tem uma pá de coisas que ele fez lá na Câmara. Tipo cadeira, mesa, banquinho. Ficou rico. Ele também não trabalha mais. A única coisa que faz é andar atrás do Van p'ra baixo e p'ra cima, porque não quer perder a boca, se o Van conseguir se eleger na próxima.
Agora, a diversão do Van é comprar propriedades. A gente já tem fazendas, barcos, uns 20 apartamentos na cidade vizinha, fora uns dez na capital, uns oito no estrangeiro e um fechado em Goiânia só para guardar documentos que o Van tem e não quer que ninguém veja. Deve ficar perto de um banco porque toda vez que ele vai comprar um prédio novo, um cinema, uma Ferrari ou qualquer outra coisinha, sempre vai até esse apartamento e volta com a grana. O Van não é besta de deixar esse dinheiro no banco porque tem gente muito FDP que quer botar as mãos nele, meu marido é uma águia.
Eu vou lhe contar que dinheiro e compras não conseguem fazer a nossa felicidade completa porque o Van queria mesmo era estar sentado na cadeira de prefeito, tenho muita pena dele por essa traição, essa trapaça grossa que toda Perdões lhe fez... Meu sonho de ser primeira-dama se apagou, parece que nada mais tem graça nesta vida, mesmo com a Mercedez blindada que ganhei do marido, ah, que merda, mesmo com a butique que ele está montando para eu me distrair. E me distrair como, depois de sonhar ser primeira-dama e ver Gaidinha no meu lugar?
O povo continua falando de nós, mas não estamos nem aí. Restaram-me algumas amigas, umas gatas pingadas e chatas, mas aquela corte que eu tinha, a mulherada toda me puxando o saco o dia inteiro, ah, isso se foi, diário, isso nunca mais. Não sei se tenho forças para suportar por mais tempo a falta que o poder me faz, mas o pior de tudo é saber que Gaidinha, aquela sem sal nem gordura, está cercada de gente e sentada na cadeira que me pertence por direito, que saco.
O Van disse que na próxima eleição, as coisas serão diferentes, ele vai ganhar, garante. Tomara, penso eu, mas não sei se o Rogê vai resistir aos apelos da vida até lá, você sabe como é, moço sacudido, com fogo pelo corpo, é isso que me mata...
Beijos tristonhos da sua amiga eterna,
Gecycleide
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