ESTAÇÕES |
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Zeca São Bernardo |
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Santo André ou São Caetano? Não me lembro bem...e como esse texto é sobre lembranças há nele alguma sinceridade. Pouca ou muita nem mesmo eu sei dizer. Como a palavra vem assim, assim, chegando tomando a vez e deixando-se aqui e ali. Que falem elas por si só e logo dispensem qualquer tipo d e pejo ou recato!Ora, para que ter vergonha?Ou será que uma vergonha antiga pode, do nada, fazer corar qualquer um? Coisas da vida vai você me dizer. Coisas que acontecem com qualquer um! E como saber onde está a tal da felicidade? Talvez nos versos que o Poetinha não escreveu? Na distante biblioteca de livros só sonhados do Morfeus de Neil Gaiman? Perguntas, perguntas, danem-se todas e levem consigo as benditas respostas! Enfim, entre estas duas estações lembrei-me de você. Uma lembrança enfática, mas tão concreta, que em dias de massificação de uma pseudocultura hindu estereotipada qualquer um diria que foi um deja vu. Mesmo sem saber exatamente de que se trata. Até ai não há nenhuma novidade. Afinal, quem esquece o primeiro amor? Principalmente se depois de alguns anos opta pela aventura de fazer alguma pouca pobre e disforme poesia? Freud teria uma boa explicação, claro, afinal ele era Freud e ganhou parte da vida assim: explicando. Explicar nada mais é do que achar a desculpa necessária e antes de mandar Freud ás favas ocorre-me que Nitche abusaria da humanidade de encheria alguns tomos sobre o assunto. Mas, bem, bem, você sempre foi minha desculpa. Ou quase. Vinte e cinco anos de coração partido é de matar qualquer um de desgosto ou de sofrer com o sabor ignorado daquele beijo não dado. Ai, a coisa toda coube mais ao Renato- sim aquele, o Russo- que já deixou quase tudo mais que explicado. Tortuosa visão, você em algum lugar dessa cidade. Você feliz com outro, como fizeram questão de fazer chegar aos meus ouvidos. Já contei para alguém que nos últimos anos estou ficando meio surdo? Logo quando alguém faz muita questão de repetir a mesma coisa várias e várias vezes para que um meio surdo ouça ele se submete a não só ouvir, mas a entender também! Tanto pior, graças á Deus é só meio surdo! Com os amigos que tenho sabe-se lá que aconteceria se soubessem que sempre fui meio cego. Sabe-se lá... De qualquer forma você me veio à mente. Em instantes reles, contados, trocados com reflexos distintos da janela do trem. Saudade? Hoje quase nenhuma...quase. tenho mais saudade de como era naqueles tempos do que de você. Afinal, uma hora destas era necessário crescer. Principalmente quando sua esposa vira para você e com aquele sorriso clássico de agora te peguei, vou te surpreender e não é conta de cartão de crédito para pagar e diz: Parabéns, papai! Vou percebe que a vida segue e que é necessário deixar algumas coisas de lado ou para trás. Segundos, talvez minutos, fui tomado pela raiva e pela decepção que senti de mim mesmo naquela única adolescência que lembro de ter tido. Tão frustrante, tão chata. Tão estranho pensar nisso tão próximo dos quarenta e ainda ter certeza que lembro da melodia da sua voz. Entre Santo André e São Caetano não me lembro bem...lembro daqueles olhos verdes me fitando. Aquela boca entreaberta quase me chamando. A certeza do raio e outra lembrança soma-se ao meu inferno ou ao itinerário da minha vida; Renatinha, sim, sim, Renatinha! Ali, bem na minha frente o tempo todo me olhando. Inquirindo, pensando, sonhado, lembrando, se lamentando. Que diabos, sei lá o que vai à cabeça de uma mulher? Ali, bem, ali. Mas Renatinha era outra história...não tinha o direito de estar ali vasculhando minha alma com aqueles seus olhos verdes. Lembrando-me que antes de você eu á conheci. Lembrando-me que nunca trocamos um beijo e que uma tia minha alcovitava nosso quase namorico de pré-adolescente. Ah, hoje, um pouco atrasado as frases da tia já morta fazem sentido! Ah, sim. Renatinha afinal gostava de mim como eu dela gostava. Levantou-se, deu uma última olhada para trás. Sozinha partiu, pude ver no vidro da janela do trem a lágrima teimosa, fugidia. Única, solitária, como ela. Abracei minha esposa, afaguei a cabeça do meu filho. Isso tudo aconteceu em instantes entre as estações de Santo André e Capuava. Disso tenho certeza, doutra coisa que também sei é que essa história de magoar alguém não consiste em privilégio, direito, dever ou exclusividade de alguém. São como as lembranças, são coisas que acontecem você querendo ou não e demoram para terem o direito de ir embora para o tal do esquecimento. Espero que as duas outras mulheres deste misto de conto com crônicas sejam felizes. Pois da felicidade da minha sei eu ou procuro saber. E, por mais imbecil que possa parecer, outra coisa que tenho absoluta certeza é de alguém deveria proibir janelas de trens transparentes. Quer sejam de vidro ou de plástico, muitas vezes o que delas se vê ou quem se vê magoa alguém... |
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