ADRIAAN E MAGDALENA |
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Eduardo Prearo |
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Noto que trocam olhares, e eu ali no meio os observo bem, mas sei que não faço parte do mundo deles, talvez por não abarcar o sofrimento humano, ou então, arrisco dizer, por não estar isento de culpas, não ser puro de coração. Pareço inexistente, e não sei por que isso me incomoda tanto, por que me incomoda tanto ser existente somente para me dizerem que erro. Resolvi escrever, mas sei que ninguém lerá, isso não interessa a ninguém. Esse tipo de sentimento (se bem que dizem que não tenho sentimento algum) iniciou ontem, quando eu e Adriaan estávamos indo a uma festa. Antes não, antes não tive qualquer sensação de rejeição por parte de ninguém. Mas enquanto íamos, Adriaan ia atraindo pessoas que queriam conversar, e para elas eu não estava ali nem em espírito. Talvez eu não devesse manter nenhum tipo de relacionamento com Adriaan porque ele vive em uma situação financeira estável; parece que estou sempre atrapalhando. Criei uma certa dependência dele, mas ele não pode fazer nada para me ajudar, e muitas vezes me deixa mais inseguro. O fato é que não entramos na festa, apesar de o nome estar na lista. Os que entraram eram ricos, bem-vestidos, mas nem todos, pelo que soube depois. Tenho de parar com certos vícios, e se os vejo nos outros fico horrorizado. Após o verão 2007, sinto que fiquei mais vagabundo. E agora estou aqui, sozinho, escrevendo, quando na realidade o correto seria estar trabalhando. Achei que teria alguma inspiração interessante antes de me sentar defronte do computador. Mas não vem nada, e o vocabulário é pobrezinho. O medo que me invade de enfrentar certas situações é tanto, confesso, que acabo achando que isso é pânico menos do que malemolência. Qualquer comentário bom que fizerem a meu respeito virá do mundo dos deuses. E jurei a mim mesmo não falar nada a ninguém a respeito dos meus probleminhas, não só porque sei que todo mundo os têm (insistem em me dizer que todos têm problemas, como se eu não soubesse), mas também porque de nada adianta. Preciso me lavar. Os meninos de rua atualmente cheiram éter, não se vê mais nenhum cheirando cola. Adriaan até pensou em incluir um menino que cheira éter no seu roteiro de cinema. Eu lhe disse que achava legal, mas não lhe disse que éter para mim sempre será outra coisa, uma região, uma região mais sutil, quem sabe azul. Hoje, a caminho daqui, tive uma espécie de insight, e acho que descobri que o papel de uma atriz...não, não posso dizer, tenho que guardar pelo menos alguma coisa para mim. E ninguém vai me dizer "guarde para o senhor" mais, portanto quero guardar alguma coisa para mim. Adriaan falou-me que eu deveria pensar que todos foram crianças um dia. Eu indaguei pra quê, pra quê começar a ver todos como crianças, imaginá-los assim? Ele me disse que é uma forma de enxergar a doçura no outro. E velho não tem doçura?, eu lhe perguntei. Hein, eu não tenho doçura? Adriaan não sabe quando irá terminar o roteiro, mas está quase pronto; ele já o escreve há mais de três anos. Pelo que sei, ele escreve sobre esses indivíduos petulantes que frequentam festas sem serem convidados. Um de nós ainda vai ser reconhecido como escritor. Eu provavelmente não, mas claro que já tentei escrever um romance; imaginei-me um gênio, um Mauriac da vida. Por vezes leio, e não assisto mais à tv nem tenho mais uma, mas foi por opção, e agora vejo certos conhecidos acariciarem televisores abandonados nos lugares aonde vou. Por que fui falar que não tenho mais um televisor? E nesses lugares, ficariam estarrecidos se lhes contasse que só suporto assistir a filmes de bang-bang, que me jogo na luxúria, mas isso não colaria; o que colaria seria dizer que não tenho dinheiro para comprar um aparelho desses. Mais uma vez a miséria e culpa me rodeiam de uma forma assustadora. E os (...) naturalmente agiriam como inquisidores como sempre têm agido quando solto alguma frase que soa como mimo. Deixe estar. O que faço de forma perfeita, pergunto-me sempre, que nenhum outro faria? O que não acho agora é uma justificativa pra me relevar. Adriaan quer que eu seja o padrinho de seu casamento. Vai se casar com uma tal de Magdalena, mulher que conheceu no cais. Só de pensar que este texto, palavra por palavra, vai ser friamente analisado, fico sem saber se deleto tudo ou quase tudo, ou não, não deleto nada. Não sei se ninguém o lerá, não tenho mais certeza. De onde vêm esses lixos emocionais?, pensei durante o dia. De fato, sinto-me uma criança que fez alguma arte e merece ser punida. Acho que quando eu manuscrevia os textos eu pensava mais profundamente. Mas nunca pensei, Adriaan diz que não penso. Chove. Há alguma esperança de eu me relevar. Lembrei-me de uma conversa que tive com Adriaan há mais ou menos dois dias: |
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