Vai bem, vai bem...poderia começar a história falando ou escrevendo que aconteceu com um amigo ou, quem sabe, empurrando a coisa toda para meu cunhado!Mas geralmente, quando se começa qualquer história assim fica certa áurea de desconfiança, ou melhor, dizendo; todo mundo sabe que a coisa se deu com quem conta mesmo. Bom, então não contarei daquela festa de que tão bêbado deixei o sindico de porre jogado num sofá velho qualquer do apartamento quase cinqüentenário. Ou daquela confusão na porta da boate. Menos ainda do episódio lamentável da vez que quase parei atrás das grades só por tentar comprar um cachorro-quente. Sabe-se se lá se não darão boas linhas quaisquer dias desses?
Enfim, de uma hora para outra o corretor apareceu com a proposta. Não, não era boa. Perdia-se mais de quarenta por cento do investimento no deságio da negociação em si. Sem falar nas dividas que haveriam de ser quitadas como decorrência do acordo de compra e venda. É, ás vezes para sair de um aperto o sujeito se mete é no sufoco!Já bem dizia um velho, muito velho mesmo, amigo meu.
O fato é que entre conselhos e contas que não fecham há mais de dez anos todo fim de mês as dividas cresciam, os juros não baixavam- deixaram para baixá-los quase que por decreto somente outro dia- e o estado do imóvel não colaborava em nada para se conseguir um preço melhor na venda. O jeito foi aceitar. O jeito foi morar na vila, no subúrbio e ter como certo mais de duas horas de viajem até o centro da cidade de São Paulo. E, o que era pior, de favor!
Não é que o bom e velho tio precisava fazer algum e resolveu vender a casa velha baratinho, baratinho...ah, o sonho. Benditos e malditos sonhos. O da casa própria me levou quase á loucura e o pesadelo fica cada vez mais longe de acabar!
Comprei sim! Não nego, nem teria porque faze-lo, sei bem. Após a demolição comprovou-se que o dinheiro não dava para nada mesmo e pago o terreno levantamos com muito custo às paredes, fizemos à laje, o telhado e somado tudo que ainda está no por fazer ficou claro que daqui umas duas ou três gerações com muita sorte chegaremos ao esplendido e glorioso dia de fazer à calçada.
Se isso me tira o sono? Não, não mais. Até já me acostumei com muros que caem, com a igreja evangélica que abriu na mesma calçada da de casa e ficam louvando ao Senhor em alto e volume a madrugada inteira. Já não ligo de recolher o lixo nos dias da coleta e tenho a impressão que se trata de um jogo entre eu e os cachorros da rua no qual ambos sem muito mais opção resolvemos numa espécie de acordo não verbal é claro, a testarmos a paciência um do outro. Eles rasgam os sacos, eu recolho o lixo. Daí, eles rasgam os sacos outra vez e eu recolho o lixo de novo. Quaisquer dias desses não rasgaram mais os sacos de lixo ou não mais recolherei o lixo ou, ainda, quem sabe eu rasgue os sacos e eles recolham o lixo? No tédio tudo é quase possível.
Já não reclamo mais das filas nos mercados, conheço os funcionários pelos respectivos nomes, voltei a falar gírias. Quase não escrevo mais e acho que fazem alguns meses que não me animo se quer a abrir um livro. Pensei em me livrar do meu cachorro assim que mudei para cá. Certo estava que logo o vento sopraria e eu me daria por mim de volta á Bela Vista. Não sei se o vento soprou ou se mesmo tendo perdido mais de trinta quilos ainda estou um tanto pesado para que ele me carregue. Quem sabe soprou e eu estava muito ocupado consertando o telhado outra vez?
Pensei em dar o cachorro embora. Não queria mais compromisso com nenhum tipo de pet. Isso há quase dois anos atrás! Agora já somos três adultos, uma criança, o bendito poodle, uma gata e três gaiolas com passarinhos. Fora as plantas e todas aquelas outras coisas jogadas quintal a fora que não cabiam em lugar nenhum no apartamento de um dormitório e foram ficando aqui e ali na casa nova.
Tenho medo, muito medo...tenho medo e sempre tive de comprar uma casa aqui na vila. No subúrbio, d éter que voltar por uma dessas coisas que acontecem e de conseguir sair mais. Ás vezes fico pensando no que foi que fiz. Com efeito, isso me atormenta e cabe-me a dúvida: que foi que eu fiz? Ou será o que foi que eu deixei fazerem comigo? |