A COMPAIXÃO DAS ROSAS |
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Eduardo Prearo |
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À margem da vida, catou algumas conchinhas e voltou atarantado para o hotel. Era meio-dia. Pensou em almoçar no centro da cidade, mas um sono brabo veio e o transportou para a cama. O colchão era uma tábua. Mesmo assim dormiu profundamente, e ao acordar lembrou-se de um sonho onde a água era viva. Olhou para o relógio preso à parede, de cozinha talvez, pois era de plástico branco, e não acreditou na hora. Dormira demais, era madrugada. Teve a ideia de ir ver se havia marinhagem na praia. Sentou-se à mesa e apoiou a cabeça entre as mãos. Melhor não ir, seria inútil. Ficou um longo tempo sem pensar em nada, sem conseguir reunir forças para sair ou pelo menos ligar o televisor. Sentia-se uma alma penada, e se se conhecesse melhor não estaria ali, no litoral, por impulso, mas teria planejado uma viagem para as montanhas. Fora impulso, não intuição, pois não se sentia bem. Assustadoramente, o telefone tocou. "Sr. Aramis, deseja alguma coisa?". Claro que era da recepção, mas era improvável que ligariam àquela hora para lhe perguntar se ele desejava alguma coisa. Era engano, isso sim, pra quê atender? Aramis obliterou a vontade de atender, o que lhe foi bem fácil. As ondas do mar estavam com saudades dele porque ele as ouvia dali, e os raios solares davam os primeiros sinais de vida. Pensou no mundinho que achava que conhecia, no universo no recôndito da cada homem. Se saísse, passava sem dizer nada ou perguntava o motivo do telefonema? Passou a mão na calvíce atávica, roçou um lábio no outro, precisava escrever um poema mesmo sem poesia, qualquer coisa. E tinha de ser um poema que tivesse algum sentido, ninguém escrevia coisas sem sentido. Divisou uma laranja apodrecida sobre a fruteira. Como foi pegar aquela laranja podre? O bolor cinza-esverdeado daquela fruta lembrava a cor da água do mar. Quis sumir, chorar dentro de uma onda. O sol não se mostrou, chovia de repente a cântaros. Aramis bocejou, o sono ia e vinha, sono-angústia. Não era motivo de vergonha estar ali, pois se ele estava ali era porque havia suado. Havia anos que ele sonhava com uma viagem, e durante esses anos todos muitas vezes ele se achara um vagabundo, um caranguejo andando pra trás. Comparava-se muito; não queria admitir, mas era invejoso. Não havia ninguém especial em sua vida, nunca mais houve desde que aquela mulher que ele pensava amá-lo enlouquecera com suas palavras, seu jeito rude de tratar. Sentiu-se um monstro ao recordar-se dela quebrando todos os vidros da casa, fora de si, dando tiros para o alto com uma pistola que era dela. Aramis fez um verso mentalmente, mas não o achou bom, afinal "as rosas desabrocham porque têm compaixão" não tinha muito sentido. Como as rosas podiam ter algum sentimento? E além do mais, não era natural da parte de algumas delas não desabrocharem, murcharem ainda botão. Não continuou com o poema, já era hora do café da manhã. No restaurante do hotel só havia a copeira e um garçom. Aramis sentou-se à mesa e esperou alguém vir servi-lo. Mas ninguém deixou de fazer o que estava fazendo, ninguém o cumprimentou; estavam indiferentes à sua presença. Achou que morrera para aquela gente, morrera para o mundo. Depois que viram o fantasma e cederam às alucinações, trouxeram-lhe um potinho de geléia de abacaxi, dois pãezinhos franceses, um potinho de margarina, um jarro de café e outro de leite bem quente. Ah, como Aramis estava faminto; não soubera o quanto antes de descer. Comeu, voltou para o apartamento, vestiu um bermudão roxo e foi para a praia. Perplexo, não viu ninguém, tudo deserto. Estiara havia uma hora, mas o tempo continuava nublado. Nada, nem um navio no horizonte. Olhou para um lado, depois para o outro; finalmente avistou alguém, uma mulher a uns quinhentos metros. |
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