Só quem já precisou engessar o braço depois de quebrado vai entender como me sinto todas as vezes que cruzo essa avenida. Primeiro, a queda aparentemente sem dor, com um ruído que simula o trote de um cavalo em pleno outono. E logo depois a pele repuxada e a carne latejante. Um gosto de sal.
É como se o mundo acabasse ali e eu simplesmente não conseguisse mais me mover. O braço já não obedece e quando ordeno que ele vá para a direita, ele me contraria num cinismo ameaçador e vai em sentido oposto. Coincidentemente, na direção da sua casa.
E de repente me lembro da cerimônia de fazer pamonhas no sítio da madrinha. Éramos todas criaturas da infância, labirintos entre palhas, milhos e rodas. A ciranda no fogão de lenha, o tacho quente com o caldo amarelo escorrendo, lambendo o chão onde rolávamos numa euforia incansável em sua puerilidade.
"Você quer 'de doce' ou 'de sal'?" Eu não me importava com o sabor. Meu único interesse estava em separar as palhas mais delicadas e amarrá-las com zelo. Só não pensei que minha mania com laços e nós cruzasse tantos outubros e chegasse até você, que amarrei a mim sem perceber.
Ah, esse braço quebrado que não me deixa pensar.
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