Já ia anoitecendo. Mariana sentia um prazer antecipado pelo dia que estava por vir. Doze anos de namoro! Certamente que Ricardo, como fazia todos os anos, amanheceria à sua porta com uma dúzia de rosas vermelhas, só que desta vez, acompanhado de um pedido de casamento! Já não era sem tempo mesmo, pensava ela. Estava uma noite quente e deliciosa e ela, sem sono nenhum, ia fazer, pela milésima vez, aquilo que mais amava nos últimos anos: Mexer em seus baús onde já se avolumava o enxoval para o casamento, óbvio!

Dona Lucinda, mãe de Mariana, espiando da porta do quarto a atividade da filha em tirar do guarda-roupa as malas enormes, nem falou nada. Saiu em silêncio e Mariana nem percebeu que a mãe havia estado ali, observando-a.

Às voltas com suas malas, resolvera escarafunchar primeiro àquela mala em que na ordem de sua cabeça seria o conteúdo usado para a grande estréia! Era a mala que continha seu enxoval pessoal! Peças lindíssimas arrancavam suspiros de Mariana quantas vezes esta abrisse aquela mala. Incrível, pensava ela admirada! Eram lingeries sensuais em diversas cores... A branca, era para a noite de núpcias. Cuidadosamente escolhida, ela podia até vislumbrar na mente o momento de sua aparição para Ricardo trajando aquela peça íntima... Angelical, alva, quase virginal. Em uma postura de quem nem precisaria falar: Toma-me como sua meu amor! Serei sua de corpo e alma para todo o sempre!

Já a lingerie vermelha... Ah! Esta era simplesmente ma-ra-vi-lho-sa! O dia em que ela a vestisse, Ricardo enlouqueceria de desejo por ela, isso ela podia garantir! E ainda tinha a lingerie preta, composta por cinco peças que ela já tinha planejado despir uma a uma para desespero de Ricardo... Mariana sorria sozinha entre seus planos, sonhos e devaneios...

Em seguida, abriu a mala que continha os mais lindos lençóis de seda que já se ouvira falar! Geladinhos, macios e perfumados eram um tanto quanto sugestivos! Tinha ainda outros jogos de lençóis, que coloridos e divertidos, vinham para interagir e brincar com o dia-a-dia do casal! Edredons fofos e macios... Em tudo Mariana pensara quando fizera aquelas compras. E continuou...

As toalhas bordadas já traziam as iniciais "R" e "M" . Felpudas e de primeira qualidade já estavam nas cores que Mariana idealizava combinar com sua futura suíte!

A mala com o enxoval da cozinha então, era um "mimo" só! Jogo-americano para casal em motivos de amor e paixão. Forros para cesta de pães coordenado com o pano de copa, toalhinha de mão, pegador de panela, toalha e guardanapos de pano eram simplesmente sensacionais. Lindos! Já podia até visualizar ela de aventalzinho, metida a mestre cuca, fazendo o jantar, enquanto Ricardo colocava a mesa... Hum! Tão íntimo e tão bom...

Ouvindo barulhos em sua porta, Mariana assustada saiu de seus devaneios e, trazida à realidade, deu de cara com a mãe plantada à sua porta feito um dois de paus, de camisola, cabelos em desalinho, chamando-lhe a atenção para a hora. Já estava amanhecendo! Finalmente o domingo chegara! O grande dia, pensou Mariana.

Sorrindo, ela beijou as faces de sua mãe num ânimo um tanto quanto suspeito, haja vista que havia passado uma noite em claro!

Guardou seus baús preciosos, escolheu uma roupa bem bonita e foi para o banheiro. Não demoraria muito e Ricardo estaria chegando. Tomaria um banho de Deusa! Escolheu sais de banho com aromas delicados e ao mesmo tempo revigorantes.

Mais tarde, Mariana estava pronta e impecavelmente vestida. Ricardo havia ligado dizendo que a apanharia para almoçarem fora e depois a levaria para assistir um show que há muito ela queria ver. Mesmo ela tentando adivinhar, ele não contou a ela alegando surpresa!

Para combinar com o domingo ela escolhera um vestido rosa, rodado e primaveril, que a deixava elegante e jovial. Fez uma leve maquiagem, caprichando apenas em destacar ainda mais seus lindos olhos azuis. Secou bem os cabelos e depois, prendendo-os à altura da nuca, deixou algumas madeixas a moldurar seu rosto delicado e branquinho.

Irrequieta, Mariana acabava de guardar uma mala que havia ficado de fora quando ouviu sua mãe trazendo Ricardo até seu quarto.

Ele vinha com um buquê extraordinário e uma linda caixinha de veludo nas mãos. Mariana sentiu-se trêmula. As pernas amoleceram. Ela mal podia acreditar! Claro que eram as alianças. Ele a pediria em casamento! Abraçando-a com carinho Ricardo a beijou levemente nos lábios e entregou-lhe as flores e o presente. Mariana agradeceu e como que flutuando sentou-se para abrir a caixa de veludo e assim que o fez, ficou transparente. Não conseguia proferir uma palavra sequer. Sentiu gotas de suor brotar nas suas têmporas, a boca secar e as bochechas afogueadas deviam estar vermelhas como as rosas que ele lhe dera... Ricardo então, vendo que Mariana nada falava perguntou-lhe:

- Que houve querida? Não gostou da linda gargantilha? É de ouro branco com pequenos brilhantes... Mariana então, erguendo seus olhos para ele, não conseguiu conter o soluço que lhe veio à garganta e nem as lágrimas que insistiram em descer por seu rosto. Não conseguia dizer uma só palavra e Ricardo continuou:

- O que foi querida? Não está bem? Sua mãe contou-me quando cheguei que você havia ficado de novo, até altas horas da noite, mexendo nestas tuas malas cheias de panos e lençóis aí! Tem que parar com estas bobagens. Agora fica assim... Sensível, frágil...

Ricardo falava e falava e não percebia as mudanças que iam ocorrendo em Mariana. Ela foi se transformando de tal maneira que quando abruptamente ficou de pé e dirigiu a ele suas ásperas palavras, a cor de sua pele era rubra, os olhos faiscavam ódio e revolta e seus lábios pareciam feitos de cera. Sua voz tinha um tom gutural que Ricardo desconhecia completamente e entre dentes ela lhe disse silabicamente:

- Suma da minha frente! Nunca mais quero ver a sua cara! A partir de hoje você não tem mais uma namorada. Tome as tuas flores, a tua gargantilha e desapareça da minha frente! Mariana tremia de raiva como Ricardo nunca vira na vida.

- Mas o que foi que eu fiz?!!

Esta foi a única e última frase que Ricardo conseguiu dizer à Mariana antes da porta bater violentamente em sua cara!

FIM