Tema 193 - O QUE FOI QUE EU FIZ?
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SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO
Aline Carvalho

Um céu de veludo azul escuro cobria a cidade. A lua prateava a rala neblina que pairava misticamente sobre todas as coisas. A cidade, lá embaixo, era uma caixa de jóias que piscava sobre um negro profundo. O ar era fresco e perfumado de noite. Eventualmente, um sopro cálido movia meus cabelos. Eu respirava em lufadas largas, sentindo o oxigênio penetrar bem nos pulmões. Poderiam ser as últimas vezes.
Olhei para baixo. A escuridão era acalentadora. Ruídos quase não havia, o correr de um inseto, o estalar de uma folha. Movi lentamente o pé e isso fez alguma terra deslocar-se e mergulhar na negritude. O abismo parecia amigável, agora que não se sabia onde terminava. Era só tomar um impulso ...
Por impulso eu tinha subido aquela serra. Por desespero tinha parado o carro em qualquer lugar e caminhado até a beira do barranco, puro minério de ferro que, de dia, sangrava na poeira que aquele mesmo vento levantava. À noite, porém, todas as pedras são pardas, e aquelas pareciam me empurrar para a frente.
O que me levara até ali? O enorme rombo no peito, queimando feito ácido. Ninguém via, porque dor é invisível. Ninguém sabia, porque não havia palavras suficientes e adequadas para descrever o sofrimento contínuo, minuto a minuto, inexorável. Tinha tentado de tudo: viajei, trabalhei, tomei remédio, fiz curso. Fiz novena para São Expedito, barganhei com Deus, embora tenha ficado difícil acreditar nele.
E o rombo no peito. E as lembranças na memória. E a dor. O pedaço que tinha sido arrancado de mim doía. E não me deixava viver. Ocupava minha cabeça vinte e seis horas por dia. Impedia que a comida descesse. Proibia contatos familiares e sociais. Mantinha minha mente fixada naquela perda, na perda da coisa mais preciosa que pode, por sorte ou coincidência, acontecer para um ser humano.
Não conseguia dormir. Nos breves intervalos de sono, o sonho. Sonho de uma noite de verão como aquela, a magia da escuridão azul envolvendo a felicidade que já fora possível. E que, por impossível agora, fazia todo o resto se perder. Nada mais importava. Só a escuridão sem fundo que dormia aos meus pés.
Só mais um passo. Só mais um passo, as pedrinhas sob meus sapatos rolando, incontroláveis. Só mais um passo e não sobraria mais nada, nem mesmo para responder o que foi que eu fiz.

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