LAVRA
INCONFIDENTE
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Flavio
Luengo Gimenez
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Foi nas cavernas de Aja, na Índia, que eu conheci os ecos de minha alma inquieta; ou foi nas cavernas da Índia que eu a vi, mais linda que nunca, entre luzes esfumaçadas e certeiras iluminando os Budas em suas formas douradas enquanto ela passava e me fitava sem nenhum tipo de preocupação que não o de fitar-me despudoradamente. Ela me fitava e eu reconhecia nela partes de minha inquieta alma, caverna de meus dias mais lúcidos, sombra de minha infância esquecida e ela, com seu sorriso acalentava em mim um sonho, que eu entrevia nos afrescos coloridos e abissais da parede da submarina gruta onde nossos corpos se enlaçavam, extenuados de lutas profanas. Já não me lembro se foi na Índia ou num sonho quimérico, mas as formas dela eram perfeitas e voluptuosas, as curvas deliberadamente montadas, deliciosamente sensuais, lembrando as esculturas das paredes que nos cercavam, avermelhadas como suas bochechas e os reflexos em suas dilatadas pupilas, a pele do rosto esgarçada num leve sorriso matreiro enquanto eu a tocava com a ponta de minha língua ou será que foi apenas uma leve ilusão, teria sido ela que me tocou na escuridão do quarto onde ela dormia com mais cinco irmãs fogosas? Certamente que não, foi em Maquiné ou na Caverna do Diabo, em estalactites que anunciavam as águas frias do inverno que se avizinhava e suas mãos cálidas pousadas nas minhas, num ônibus em excursão adolescente, misturado ao cheiro de botas e mochilas sumidas, calcinhas penduradas em varais de janelas de Minas, os gemidos dela, oh, cansados, ritmados, ousados, risonhos, perto de Ouro Preto, nas manhãs de uma estação perdida de trem onde resolvemos ficar juntos para ver no que dava. Já não me recordo se foi naquela época que eu disse a ela que a amava e ela esperou eu terminar para me dizer que não, não podíamos ficar assim, enfim, ela sabia de mim e eu sabia mais dela, já não me lembro se o que disse morreu no céu de minha boca ou foi a língua dela que me calou em lascivo movimento, no escuro do ônibus, no fundo da Caverna, na gruta marinha cheia de diamantes do tamanho de bolas de bilhar ou na matéria esgarçada do onírico, no mundo ideal do sonho espelhado nas águas do templo oriental ou nas profundezas da terra distante. Certamente sua volúpia era real, assim como suas curvas, que eu entrevia entre cirros e nuvens mais raras, no alvorecer em Ouro Preto, juntos nas pedras ancestrais de nossa procura conjunta pelo ouro inconfidente. Não, acho que foi mais uma torrente que nos levou ao delírio, ao riso frouxo da lassidão depois da explosão de nossos sentidos, foi na procura mútua de papilas, suores e cheiros que lavramos nossa mais profunda riqueza. Disso eu me lembro, até o momento em que nos achamos aqui, nas cavernas de Aja, cercado do mais profundo mistério, que ela se acercou de mim e, acho, disse que sim, que me amava, mas que não podíamos assim, enfim ela sabia de mim e eu mais dela, não podíamos. Acho que aconteceu assim, ou fui sonhado por ela em uma caverna em Aja e me juntei a ela num movimento ritmado, oh, frouxo, abissal, quimérico, onírico, nas paragens de um templo submarino em Ouro Preto? Certamente que não, mas sua visão era real e seus olhos, grandes como dois diamantes luminosos, me fitaram e me disseram que sim, que agora estávamos livres. Foi aí que... |
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