DIA
DE CHUVA
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Valéria
Nogueira Eik
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Os grandes olhos, que já não eram tão grandes, fitaram o rosto muito sério que quase transbordava espelho afora. Avistaram mais uma ruga, mais um risco, mais uma cicatriz do tempo. E a boca pálida fez um muxoxo cheio de desdém e desgosto. Aquela mulher estava beirando os cinqüenta anos. Apontava o dedo indicador para o rosto estampado no espelho e dizia num tom jocoso e baixo: - Quase meio século, minha senhora! Que vida de merda! Nascemos idiotas. Crescemos. Amadurecemos. Para que? Para nos tornarmos novamente idiotas. Fazia o comentário ácido apenas para si mesma, afinal, não havia necessidade alguma de alardear o azedume e muito menos a idade. O dia caíra da cama, levantara com o pé esquerdo, esquecera-se de bater os nós dos dedos na madeira. O tempo prometia chuva e parecia muito empenhado em cumprir a ameaça sombria. Mas era somente um dia entre tantos passados e vividos. Outros mais viriam trazendo perguntas sem respostas e respostas sem perguntas. Que viessem! Espiou a garoa. Sentiu o vento que já se tornava frio. Não gostava dos dias frios. Esfregou as mãos na ânsia de espantar os fantasmas e aquecer a alma. Andou de um lado para o outro. Não tinha muito por onde perambular. Em dias assim, feios como filhotes de coruja, o pequeno apartamento tornava-se menor, mais escuro que noite sem lua, mais sufocante que corda no pescoço. Sentou-se no sofá e ficou olhando as cortinas brancas que se insinuavam para a janela e para os ventos. Pareciam almas penadas ensaiando uma dança de adeus. Que fossem todas embora! As almas e as cortinas. Hoje é somente um dia sombrio com cheiro de inverno. Amanhã será outro tempo, outro clima, outra história. O sol aquecerá novamente os desejos, umedecerá a pele encobrindo a maldita ruga e reavivará o apetite pela vida. - Salute! |
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