PEDIDO
DE MUDANÇA NA LEI DE ADOÇÕES
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Mairy
Sarmanho
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Não quero negar minhas falhas, mas conheço um pouquinho de meus apegos. No final da minha escrita, hás de convir que estou certa no que digo. Havia muitos iguais a mim na fila. Inúmeros. Tentei abraçar a primeira, mas ela me negou carinho. Parti para a segunda, fazendo juras de amor eterno, entretanto, ela sequer ouviu meus apelos. Fiquei só. Agachado no canto, lamentei minha sorte. Ou falta dela. Temia a solidão eterna. O desapego. O fato de ser apenas mais um número entre tantos outros disponíveis. Ninguém sequer mostra meu rosto desventurado. Entendo que me neguem um nome, mas uma simples foto talvez convencesse uma estranha de estender a mão e me tirar do inferno do anonimato. Os juízes, senhores da lei, entendem que minha foto não pode ser divulgada. Fazem isso porque não foram condenados ao entreposto de vidas, ao mundo da exclusão, ao descaso, ao desafeto... Viveram com suas mães e pais, foram amados, protegidos, paparicados. A mim foi concedido apenas o abandono. Não passo necessidades básicas, mas ninguém me chama de filho. Tenho fome de amor. Tenho sede de carinho. Tenho frio no coração. Tenho medo de morrer e ser apenas um número no arquivo dos que me cuidam mas não se deixam envolver de maneira efetiva pela minha dor. Os senhores magistrados poderiam mudar seu modo de ver meu estado. Deplorável. Deveriam permitir minha foto desalentada na internet para que alguém, em algum lugar, olhasse para mim e pensasse: ele pode ser meu filho... talvez. Deveriam permitir que algum coração bom visse a tristeza de meus olhos e se comovesse. Meus olhos sabem cativar mas ninguém os olha... Sei que adotam cãezinhos e gatinhos aos milhares, dessa forma. Sei que não sou nenhum cãozinho ou gatinho porém mereço a mesma oportunidade deles, não acham? Sou muito pequeno para exigir meus direitos e mudanças nessa lei que acredita no anonimato como forma de proteção. É injusto que minha futura mãe não possa me encontrar ao acaso. Se nunca nos cruzarmos pela vida, como ficaremos juntos? Não sou um número num arquivo. Sou um ser humano abandonado numa instituição pública, tratado como algo que deve ser mantido vivo mas não mantido amado. Por favor, terminem com essa injustiça e me concedam uma oportunidade de sair desse inferno ao qual estou confinado há tantos anos vazios e sem sentido... Me tratem como ser humano, ao menos uma vez: concendam-me a mesma oportunidade que tem um cãozinho vira-latas... O lado bom disso tudo, é que minha futura família possa estar lendo meu pedido e lute para mudar essa lei cruel. Eu quero ser o filho de alguém! Não tenho nada a esconder, minha foto pode ser publicada em qualquer lugar: não matei, não roubei, não formei quadrilhas sequer fui corrupto em algum momento dessa minha triste vida. Com a cara no mundo, talvez eu tenha uma oportunidade. Por favor, dêem uma chance a esse pobre menino sem lar! |
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