MOMENTOS
FINAIS
|
|
Vera
Vilela
|
|
Como é difícil perder a mãe, quando eu era pequena achava isso a pior coisa do mundo, fui crescendo e tantos problemas, e filhos, a mãe vai ficando em segundo plano, mas a gente sabe que ela está sempre ali. Tem momentos que eu perdi a paciência, confesso. Quantas vezes ela precisou de algumas palavras de carinho e eu, envolvida com meus próprios problemas não dei muita atenção. Quantas vezes torci o nariz para suas reclamações ou até mesmo para seus gemidos. Dona Nilza foi uma mulher guerreira, batalhadora. Criou, juntamente com meu pai, dez filhos, sendo que o mais novo nasceu cheio de problemas, uma criança especial para sempre. Lavou roupa para muita gente a fim de ajudar no orçamento da casa que era escasso. Nunca reclamou ou se estressou com os problemas da família. Sua saúde sempre ficou em último lugar e eu pensava que ela era eterna. Além dos filhos recebeu todas as filhas e noras quando pariram, deu e ensinou os primeiros cuidados aos recém nascidos. Benzeu muita gente, era católica praticante e participante. Mesmo na cadeira de rodas ainda fazia questão de cumprir suas obrigações de ministra da eucaristia e nunca negou ajuda a todos que a procuravam. Tinha um gênio difícil, era brava demais e gostava de ter o controle de tudo em casa, mas foi assim que educou todos os filhos no caminho do bem. Passei os últimos dias dela em sua companhia. Acompanhei todo o seu sofrimento, que não foi pouco. Ela foi obrigada a se internar num hospital público porque justamente quando mais precisou seu convênio estava abrindo falência. Sentiu
muitas dores, dores absurdas e clamava por um remédio que as aliviasse.
Assisti o péssimo tratamento de enfermeiras mal preparadas que fizeram com que seu sofrimento fosse aumentado muito mais. Erros constantes, grosseiros, falta de vontade e mau humor. Algumas raras exceções, é claro! Em sua última noite presenciei seu sofrimento máximo, o desespero pela dor e por querer continuar viva, ouvi-a chamar pelos filhos, pelo marido. Ela tentava fazer o sinal da cruz, inutilmente, seus braços não a obedeciam mais, eu a ajudei. Já
no raiar do dia, totalmente sem forças ela disse por três
vezes: Mãe, mãe, mãe. Inspirou profundamente e parou.
Eu disse então a ela: Mãe fica calma, tudo vai dar certo.
O médico ainda tentou entubá-la, mas foi em vão,
ela já não tinha mais forças. Quando voltei ao quarto ela estava inerte sobre a maca, pela primeira vez na vida vi minha mãe quieta, parada, descansada. Seus olhos ainda estavam abertos, eu os fechei, para sempre! Peguei sua mão e beijei, pedi sua benção pela última vez. Beijei sua face e acariciei seus cabelos, disse também mais uma vez: Eu te amo muito, mãezinha. Agora que ela se foi um buraco se abriu, uma sensação estranha de insegurança, uma descendência perdida, um elo quebrado e a certeza que de mim, agora, apenas o futuro, de mim para os filhos. A impressão que tenho é que amadureci anos em apenas um dia. Agora é comigo, não tem mais colo, não tem mais ouvidos, não tem mais as mãos enrugadas e calejadas, as mesmas que na noite anterior a sua morte, quando eu já cansada me debrucei na cama, se esticaram para fazer carinho em meus cabelos. Somente agora eu compreendo a importância de minha vida. Uma mãe faz muita falta e espero estar ao lado dos meus filhos por muito tempo ainda. |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|