O
VELHO LOBO DA ESTRADA
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Eva
Ibrahim
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O ônibus estava desenvolvendo uma velocidade fora do comum; os passageiros pararam de conversar, trocavam olhares assustados e muitos se agarraram ao banco da frente. Um solavanco, outro e mais outro, o veículo saiu para o acostamento. Serpenteou no capim da beira da estrada e voltou á pista. - O que estava acontecendo? Assustados os passageiros se perguntavam, uns aos outros. O motorista parecia estar em transe, nem se mexia; estava impassível, agarrado ao volante. Há muitos anos o coletivo fazia aquele trajeto, era um meio de transporte de trabalhadores de uma grande firma, mas levava passageiros esporádicos também; um ônibus comum de linha. Neste dia havia mulheres, crianças, idosos e funcionários da empresa, o coletivo estava lotado. Muitos eram pacientes de um grande Hospital, que tinham consulta marcada ou retorno no Ambulatório, outros eram visitas á pacientes. O motorista já estava aposentado, mas continuava trabalhando; era considerado um dos melhores da empresa de transportes. O homem era quieto, sisudo e compenetrado, exercia sua função com maestria, jamais sofrera um acidente. Os funcionários, passageiros assíduos, faziam o trajeto cochilando, pois tinham confiança em seu jeito de dirigir; não havia uma só reclamação contra ele. Um trajeto de quarenta quilômetros percorridos seis vezes ao dia, durante anos; era certo que ele conhecia cada buraco da estrada. Como se nada tivesse acontecido ele seguia em frente, dirigia por intuição, parecia seguro de si. O ônibus se aproximou de uma moto e quase bateu; foi por um triz. Os passageiros sentiam que algo estava errado, aquele não era Seu Arno, o alemão frio e sério, que parecia uma estátua e não gostava de conversas, pois, dirigia como se estivesse alucinado.O homem não bebia e não usava drogas; - O que seria então? -Estaria passando mal? Era uma explicação a ser considerada. Dois homens levantaram e se aproximaram da roleta, iriam perguntar se não estava bem, mas o viaduto estava á frente, era melhor não assustá-lo; teriam que esperar. Comendo faixa ele bateu na proteção do elevado; todos gritaram e ele retornou ao corredor da direita. Por pouco o coletivo não despencou no precipício. O medo estava estampado em cada rosto; as mulheres começaram á rezar; três pessoas levantaram e apertaram o botão para parar. O ônibus parou e os passageiros desceram reclamando do motorista, dizendo que ele parecia louco; iriam reclamar na empresa de ônibus.A angustia estava instalada em meio aos presentes, não sabiam o que fazer, ainda faltava alguns quilômetros para chegar ao destino. Havia crianças e pessoas doentes, que não poderiam ficar na estrada esperando outro coletivo. O ônibus adentrou á cidade em alta velocidade, passou o sinal vermelho; um automóvel buzinou freneticamente. O motorista continuava impassível, como se não fosse com ele. Em seguida voou sobre a lombada, sem diminuir a velocidade; mais gritos foram ouvidos. Alguns homens começaram a falar alto, em tom ameaçador. Seu Arno não se mexia, parecia não ouvir nada. Alguma coisa de muito grave estava acontecendo e ele não parava, seguia como se fosse um robô. A angustia que é filha do medo tomou conta dos passageiros; temiam um acidente, que parecia iminente. O homem permanecia alheio aos acontecimentos, não olhava para trás, alguns passageiros ficaram em pé gritando para ele parar. Não parou, seguiu em frente com determinação e quando chegou ao ponto final bateu na traseira de outro coletivo, que estava parado. O ônibus da frente segurou o detrás; os danos materiais foram pequenos. Houve um principio de pânico, muitos gritos, choros e agradecimentos á Deus por estarem bem; ninguém se machucou. Então, Seu Arno olhou para trás e com um sorriso enigmático, abriu a porta. Alguns homens desceram rapidamente, iriam pegar o motorista e quebrar a cara dele; queriam surrá-lo. Enquanto isso, um passageiro ligava para a polícia e outro para a garagem do coletivo. Dois homens exaltados gritavam que ele queria matá-los e quando foram pegá-lo viram que o homem estava pálido, suando em bicas e se contorcendo de dor; Seu Arno estava mal. Parecia que estava tendo um derrame ou coisa parecida, tinham que levá-lo ao Hospital com urgência. Estava justificada a maneira alucinada que dirigia o veículo. O instinto o levou ao ponto final, sua pressão arterial estava elevada e realmente, ele sofreu um infarto agudo do miocárdio. Ficou internado durante duas semanas e se não bastasse, em seguida, foi acometido de um derrame; teria que pendurar as "chuteiras". Durante algum tempo todos comentavam sobre o medo e a angustia que passaram quando o motorista passou mal ao volante. Poderiam estar mortos, não fosse a perícia do homem; ele dirigiu no limite da consciência. Seu Arno passou um tempo meio abobalhado e sua família tinha que ir buscá-lo na porta da empresa de ônibus. Ele saia e sempre voltava ao lugar que freqüentou durante sua vida toda, era movido por instintos. Agora o homem está bem e continua trabalhando na garagem, dizem que implorou para voltar ao trabalho. Não dirige mais ônibus, apenas fica na garagem cuidando da manutenção dos veículos e diz que só sai dali morto. Os colegas brincam dizendo que nem depois de morto ele deixa os ônibus; vai assombrar o local para sempre. Será mais uma alma penada, que não quer deixar seu lugar aqui na terra. O velho lobo da estrada sorri e sai calado, como a concordar com a brincadeira. |
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