FINANZKRISE
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E.
Rohde
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Ajustou
o nó da gravata no espelho da cristaleira, beijou a mulher e o
filho e desceu para o carro estacionado na transversal da Avenida Ataulfo
de Paiva. No
rádio, música. Depois as notícias. -
Multinacional alemã anuncia demissões. Cortes afetam escritório
do Rio. -
Que porra é essa? Telefonou
para a secretária, mas era cedo para encontrá-la na sua
mesa. Pensou em ligar para o celular. Desistiu. -
Se ela ainda não recebeu a notícia, não quero ser
eu a dar. Tentou
o chefe. Enquanto chamava, ouviu o bip de bateria fraca. Com a mão
esquerda no telefone, apoiou o cotovelo no volante e usou a mão
direita para apalpar o porta-luvas. -
Alô? -
Alô. Aqui é o Roberto. Ouvi a notícia no rádio. -
Pois é. -
Devo me preocupar? -
Agora não posso falar. Você está vindo para o escritório? -
Como todos os dias. -
Conversamos quando você chegar. -
Não dá para me adiantar algo? -
Até logo, então. -
Alô? Desligou.
Mais um bip de bateria fraca. -
Depois eu vejo isso. Se
recompôs no assento, apoiou o telefone no banco do passageiro, duas
mãos no volante, olhos na estrada mas a cabeça longe. Fechou
o sinal. O da frente parou, ele não. Desceram
os dois motoristas. -
A senhora me perdoe, foi um momento de distração. -
O senhor tem seguro? -
Claro. Tome o meu cartão. Anoto o número da apólice
atrás. Me ligue quando tiver um orçamento. -
Vou chamar a polícia para fazer o BO. -
É que eu tenho pressa. -
Sem BO a sua seguradora não vai pagar. Roberto
estava por dizer "então eu pago do meu bolso", mas se
lembrou de que talvez não tivesse renda para se permitir esse luxo. Eram
dez horas quando se desvencilhou da mulher, da polícia e do guincho.
Sim, porque a colisão furou o radiador e amassou a ventarola. Agora
era pegar táxi ou ônibus. -
Ônibus é mais barato. Se
informou de que ônibus pegar e foi para a Avenida Nossa Senhora
de Copacabana. Abriu a carteira para separar o dinheiro da passagem. Não
tinha um tostão. Saiu
a procura de um caixa eletrônico. No primeiro banco os caixas estavam
fora do ar. No segundo, tinha fila. No terceiro... andou dois quarteirões
e não encontrou terceiro. Voltou para a fila do segundo. Olhou
o relógio: dez e meia. Cinco pessoas na frente. Pegou o celular
que a essa altura já não dava mais sinal de vida. Apelou
para o colega de fila: -
O senhor me empresta o telefone? É coisa urgente. Ligação
de celular para celular. Eu pago a chamada. O
homem não deu conversa. Nem adiantaria. Todos os números
de que precisava estavam na memória do aparelho sem carga. Quatro
pessoas na frente. -
Isso aqui vai demorar. Preciso achar um orelhão. Saiu
da fila. O plano era ligar para casa e pedir os números do escritório
à mulher. Ela devia ter isso anotado em algum lugar. Parou na banca
de revistas: -
Tem orelhão aqui perto? -
Virando a esquina. -
Me dá um cartão. -
São cinco reais. -
Puta que pariu. Voltou
para a fila do banco, agora com sete pessoas na frente. Esperou, impaciente. Quando
chegou a sua vez, enfiou o cartão na máquina: "Cartão
inválido. Favor contatar a sua agência". Tentou o cartão
de crédito. Esse funcionava. Só que pedia senha. -
E eu lá sei essa senha? Não
era igual à senha da conta corrente. Saiu do quiosque sem saber
o que fazer. Olhou em volta. Passava um táxi. Acenou. Parou. Entrou. -
Para a Avenida Presidente Vargas. Ia
pagar com cheque, mas não disse isso ao motorista. Quando
chegaram na Pricesa Isabel estava tudo parado. Pegou de novo o celular.
Tentou ligar. Uma tentativa desesperada. -
Se passar por orelhão, pare. A
contragosto, o motorista assentiu. Do
orelhão, ligou para casa a cobrar ("como é que eu não
pensei nisso antes?") e conseguiu o número do Arnaldo. Telefonou
para ele: -
Após o sinal diga seu nome e a cidade de onde está falando.
-
Aqui é o Roberto. -
Cara, onde é que você está? Você não
sabe a bomba. -
Ouvi no rádio. Já liberaram os nomes? -
Ainda não. Estamos na sala de conferências. Olha, tenho que
desligar. Te ligo quando souber alguma coisa. -
Espera. Estou sem... desligou. Tentou
chamar de novo, mas o número agora estava fora de área.
Nessa hora sentiu um toque no bolso e um vulto se afastando. -
Pega ladrão! Correu
feito um louco sem saber direito para onde. Foi alcançado pelo
taxista. -
Quando vi que ele ia dar o bote, tentei avisar. -
Deixa para lá. Voltaram
para o carro. -
O que é que vai ser, Doutor? Presidente Vargas ou delegacia? - Me leva para casa. |
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