O
LAGO DA VERTIGEM
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Flavio
Luengo Gimenez
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Sempre que me vem a vertigem, lembro de teus olhos brilhantes, cintilantes como a luz da lua cheia refletida nas águas do calmo lago que se esvaiu, levando gansos, peixes, assombrações, militantes ecochatos e cisnes, lixo e dinheiro jogado em pencas para estranhas promessas junto com pedaços podres de madeira de barcos afundados que nunca chegaram a navegar em rio algum. Lembro de tua voz ecoando na concha acústica, emanando dos galhos das árvores imensas que em dia de tempestade, tendem a cair nas vias públicas sobre carros estacionados e casais distraídos em performances mais do que suspeitas. Há sobre a avenida que margeia o lago falecido cipós que pendem vindos de um bosque que faz as vezes de jardim do paraíso perdido de uma igreja onde fiz a primeira comunhão, de onde guardo a vaga lembrança de um gosto de pão sem sal e de uma fé que profunda vinha de uma poderosa sensação, hoje perdida, de paz, quietude e confiança absoluta num futuro que ora se mostrava distante, ora se mostrava enevoado mas sempre à frente, movendo as entranhas do mundo que entrava pela minha boca, num rito de respeito absoluto que culminava no beijo em um anel de rubi que fascinava os olhos de quem o via. Assim que eu sinto a vertigem, brilha o vermelho do rubi prometido que agora deve habitar outras mãos; lembro da figura do Cristo iluminada em uma moldura minúscula que guardei não sei onde e lembro dos teus olhos sorridentes, a fixar minha frágil figura, tão importante no mágico momento de receber a luz do mundo. Vem a tontura e eu beijo a garrafa que me redime, cônscio de que da última vez, eu prometi que não o faria, mas novamente sorvo o acre sabor do imundo vício que me persegue e me consome, esquecido agora do insosso sabor da fé que movia as montanhas do mundo que agora são frágeis, seco que o lago está, com as sobras preenchidas de suas entranhas e com as estruturas de outrora abrigando peixes que ainda resistem em manter as guelras funcionando mesmo na lama que rescende ao passado de uma época que já não existe. A vida é frágil e só eu sei o quanto custa saber disto na pele, este frágil envoltório que faz nosso limite com a realidade, esta capa que resiste às intempéries; lembro de tua tez aveludada, de tuas orelhas minúsculas (como eu gostava delas) e vem a impressão exata, num sonho de medusas impossíveis e de uma lagoa de recifes que jamais pousaria na Sé, nem na Luz. Enfim, jamais saberia o sabor do salgado ar do amor se não fossem tuas mãos percorrendo minha nuca, em meio aos espasmos do incontrolável que nos unia. Desta vez, eu prometo: A garrafa vai ao fundo do lodo onde se debatem cisnes perdidos, onde pessoas caridosas espalham baldes para salvar o que resta das tilápias, dos dourados, das multicoloridas carpas que habitavam o fundo, sedentas de pão jogado aos domingos por meninos irrequietos e famílias que admiravam a paisagem espelhada nos teus olhos, a copa das árvores aneladas de teus cabelos, ouvindo o som dos pássaros que revoavam à procura do diamante perdido. Vou te procurar, de uma vez por todas, de uma maneira definitiva, como se procura a melhor palavra para ornar um conto inexistente, uma rica rima num poema que teima em sair ou uma óstia que me trazia a beleza do Universo à minha boca. É só passar e vertigem e o assombro que permeiam minha alma. |
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