Atualização nº 187 - ESCRAVO
BIOGRAFIA
ESCRAVOS DE SEU
Wesclei Ribeiro da Cunha

Pernas, muitas pernas... 11h, pontualmente, no relógio da Praça do Ferreira. Anônimos passam. Pressa, muita pressa. Minha lente focaliza tal formigueiro, mas, por um instante, detém-se numa "formiguinha" diferente - tão diferente que agrupa outras. À distância, não me contive, resolvi analisar mais de perto aquele ser. A surpresa: era um senhor já velho, exímio repentista, contador de estórias. À margem, de roupas também já desgastadas qual a sua fronte; a pele, marcada pelo tempo, trazia no olhar e no sorriso a ternura e a poesia, que se dissolviam na brisa da praça.

No banco da praça, gesticulava, incontido, buscando uma palavra dos transeuntes e oferecendo os cordéis por ele escritos. Poucos queriam perder tempo com estórias de um velho. Ignoravam a criatividade, o conhecimento extraído dos muitos dias vividos, e a sensibilidade do contador. Contava, relembrava fatos reais, inventava outros tantos causos. Ao ser escutado, um agrado... Mísero agrado. Pior que isso só a fria indiferença dos homens de paletó e gravata, escravos de seu tempo.

Decidi, enfim, aproximar-me dele, agora sem a lente da câmera. Queria um contato humano, desprovido de qualquer intenção midiática. Ele era simples, muito familiar, autêntico, não precisou que eu me identificasse. Senti-me anestesiado, fora uma alegria difícil. A cada palavra declamada, a cada lírica lágrima jorrada pelo poeta, uma nostalgia senti de um mundo que nunca estive e que já não existe mais. Nunca um contador de estórias me fascinara tanto. Convenci-me, por alguns instantes, que estava diante de um rapsodo grego, ou seria ele um protótipo de um educador de uma sociedade emancipada, ou estaria preso também à letargia, à indiferença do olhar superficial, da fria informação?

Anacrônico... Ele era tão paradoxalmente um mundo de lendas e mitos, um homem perdido em seu tempo. Sem ninguém, excluído, um parafuso que já não servia para a escravizante máquina do mundo. Aquele homem contava sem cessar, para acolher, para comer, para relembrar, reviver e viver intensamente. Navega contra a correnteza, contra o imediatismo, contra a chuva de informações trágicas sensacionalistas. Para tanto, uma coragem libertária, muita coragem... As câmeras nos escravizam, nunca dão conta da totalidade, pensei.

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