ESCRAVOS
DE SEU
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Wesclei
Ribeiro da Cunha
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Pernas,
muitas pernas... 11h, pontualmente, no relógio da Praça
do Ferreira. Anônimos passam. Pressa, muita pressa. Minha lente
focaliza tal formigueiro, mas, por um instante, detém-se numa "formiguinha"
diferente - tão diferente que agrupa outras. À distância,
não me contive, resolvi analisar mais de perto aquele ser. A surpresa:
era um senhor já velho, exímio repentista, contador de estórias.
À margem, de roupas também já desgastadas qual a
sua fronte; a pele, marcada pelo tempo, trazia no olhar e no sorriso a
ternura e a poesia, que se dissolviam na brisa da praça. No
banco da praça, gesticulava, incontido, buscando uma palavra dos
transeuntes e oferecendo os cordéis por ele escritos. Poucos queriam
perder tempo com estórias de um velho. Ignoravam a criatividade,
o conhecimento extraído dos muitos dias vividos, e a sensibilidade
do contador. Contava, relembrava fatos reais, inventava outros tantos
causos. Ao ser escutado, um agrado... Mísero agrado. Pior que isso
só a fria indiferença dos homens de paletó e gravata,
escravos de seu tempo. Decidi,
enfim, aproximar-me dele, agora sem a lente da câmera. Queria um
contato humano, desprovido de qualquer intenção midiática.
Ele era simples, muito familiar, autêntico, não precisou
que eu me identificasse. Senti-me anestesiado, fora uma alegria difícil.
A cada palavra declamada, a cada lírica lágrima jorrada
pelo poeta, uma nostalgia senti de um mundo que nunca estive e que já
não existe mais. Nunca um contador de estórias me fascinara
tanto. Convenci-me, por alguns instantes, que estava diante de um rapsodo
grego, ou seria ele um protótipo de um educador de uma sociedade
emancipada, ou estaria preso também à letargia, à
indiferença do olhar superficial, da fria informação? Anacrônico... Ele era tão paradoxalmente um mundo de lendas e mitos, um homem perdido em seu tempo. Sem ninguém, excluído, um parafuso que já não servia para a escravizante máquina do mundo. Aquele homem contava sem cessar, para acolher, para comer, para relembrar, reviver e viver intensamente. Navega contra a correnteza, contra o imediatismo, contra a chuva de informações trágicas sensacionalistas. Para tanto, uma coragem libertária, muita coragem... As câmeras nos escravizam, nunca dão conta da totalidade, pensei. |
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