Atualização nº 187 - ESCRAVO
BIOGRAFIA
ISCRAVO
Umberto Gonçalves

- Apois é, dotô, num seio mermo pra quê tudo isso.

- Mas, Seu Geremias, não vejo motivo...

- O Sinhô é que pensa. Veja bem... Derna de minino, muito pobre, quiria tê as coisa. Era trabalhá ou istudá. Se fosse istudá, morria de fome. Se fosse trabalhá, num aprendia leitura.

- Somente leitura?

- Somente, dotô. O resto nóis aprendeu na vida. Sei fazê conta... De cabeça mermo. Esse negócio de história... Aqui pra nóis... Num serve pré nadica de nada. Aquele negócio de conhecer os lugares...

- Geografia...

- Isso mermo. Até que conheço um bocado.

- O senhor viajou muito.

- Eu gosto de viajá. Enquanto os outros aprende no livro, eu vô lá. Vô nos lugá.

- Mas, do que o senhor se queixa?

- Me quexo das coisa;

- Mas que coisa, Seu Geremias? O senhor tem tudo.

- Mas é por isso mermo, dotô. É essas coisa que tão me matando.

- Agora sou eu que não entendo nada...

- Veja bem. Derna de criança que trabalho pra tê as coisa. Alembro quando comprei a primêra casa. Aquela lá da Ribeira.

- Um bela casa. Bem cuidada...

- É sim. Dá uma trabalho, que só vendo. Aí comprei o carro, comprei outra casa, construí esta aqui. Veja que piscina bonita. Tem inté chachoêra.

- Realmente é uma casa muito boa.

- É sim. Mas dá um trabalho que só vendo. E o sítio...

- Ah, Seu Geremias, aquele sítio é uma riqueza!

- Pros ôtros. Eu só me lasco!

- Mas, Seu Geremias, o senhor tem tudo. Um mercado bacana. O melhor da Cidade. Alguns imóveis, alguns carros...

- Sim. E daí?

- Somente isso é motivo de estar feliz.

- O sinhô acredita que eu acreditava que era assim?

- Não entendi novamente...

- Eu sempre trabalhei pra tê as coisa. Hoje tenho muito mais do que pensei. Nunca imaginei isso tudo.

- Mas isso é ótimo!

- Ótimo pro sinhô que é adevogado. Eu passo o tempo todo trabalhando dentro do mercado. Quando saio, tenho que cuidá das ôtras coisa, cuidá das casa... É inquilino que num paga... Aí chamo o sinhô.

- E eu estou aqui.

- É parede que racha, recramação de telhado, IPTU, taxa disso, daquilo.

- Mas isso é pra todo mundo...

- Num tô recramando isso. Tô falando que vivo trabalhando o dia todo, toda noite, domingo e feriado, cuidando das casa, do sítio - esse dá uma trabalho danado -, do mercado... Nunca discanço.

- Mas todo mundo queria ter esses problemas, Seu Geremias.
- Oia, dotô, antes eu num tinha nada. Era somente pobre e dono de mim mermo. Hoje tenho tudo e num sô dono de nada. Tudo é meu dono. As casa são dono de mim. O mercado é dono de mim. O sítio, esse também é dono de mim. Meus fio são dono de mim. A mulé é dona de mim. Nem pobre sou. Sou mermo é um ISCRAVO! Só falta a corrente, já que apanho todos os dia.

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