Dá-me um cigarro e nem ameace falar que me chamo Rodo-Metálico. Isso já deu muita briga e briga da boa. Nunca carreguei café com cocaína e nem sei o que significa ter dois pais escritores. Sei sim o que significa ser de um país de escritores. Ser de um país de escritores é ser um sem-nada. Não tem sem-terra? Não tem sem-teto? Não tem sem-mídia? Sem-muié? Pois bem, tem agora, e sempre teve, os sem-nada. Sem-nada é como me sinto. Um sem-nada, um sem eira e um sem beira. Rodo-Metálico é a puta que lhe pariu! Isso sim, não falei que esta merda ia dá briga? Então, me chama de Rodo-Metálico que te passo uma capoeira, mando-lhe uma rasteira e te faço um sem-nada. Sem-nada, como eu. Conheci uma mulher que também era sem-nada. Não teve pai, não teve mãe e muito menos irmão ou irmã. Não saiu de férias com a família e nem teve chance de fazer qualquer coisa que lhe desse tesão ou medo, alegria ou pavor, rancor ou ódio. Acho que o sem-nada só pensa em fazer poesia, em jogar com a capoeira das antigas senzalas. Odeio ser o cagado tocado em fazer alguma merda entre palavras e sentimentos. É um eito sem-fim, sinto no ombro uma cruz cheia do alfabeto português. Chei de letras: ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ. Elas me prendam numa cela de três planos e pesam nas costas que eu nem aguento mais segurar. Eu as olho e só não quero que formem a merda do Rodo-Metálico. Nem isso. Assim elas me prendem, me conformam e lá vou eu escrever, escrever um poeminha, um continho, uma quadrinha mentirosa e lembrar que desgradaçamente um pai e uma mãe se casaram dentro da merda de um cemitério, um túmulo por testemunha. Um sentimento desolado, um sem-nada. Sem-porra-nenhuma, nem amor e nem amada. Sem-nada, feito homens e mulheres que atravessaram o mar salgado, valioso mar do sem-nau, e aqui nas praias foram obrigados a labutar. Eita labuta filho da puta! Escravo, cravo. Cravo, cavo. Cavo, vô. VOO!