A
LIBERTAÇÃO E O ESCRAVO
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Flavio
Luengo Gimenez
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Ela não sabia de nada, mas eu a admirava faz tempo. Ou sabia? De longe, sempre ao fundo, como se fazia antigamente, aquele amor impossível que nunca medra no outro, brota em um mas no outro evanesce. Nunca cresce assim a planta, sempre estiola e fica só na perspectiva de um encontro improvável que nunca acontece, que sempre habita a fantasia de um dos dois. O pior, nestas horas, é que o objeto do amor perdido sempre sabe, sempre tem ciência do desejo do outro, porém no íntimo despreza, espezinha, esmaga qualquer tendência ao pouco que ainda poderia brilhar. --Ele
que chegue perto! --Coitado...Você
nem chance daria? --...Imagine! Quem ele pensa que é? O mundo é feito de idéias, são elas que movem a realidade, alguém disse que o observador modifica o objeto observado, nas suas mais íntimas tessituras, no seu maior e mais interno âmago, em sua própria estrutura. Assim eu fazia e ela, quanto mais recusava, mais bela se tornava aos meus olhos cintilantes de paixão desmesurada. A realidade é um sonho ou sonha-se que existe a realidade? Eu, por mim, nunca despertaria, se tivesse de olhar seu sorriso para sempre, se tivesse que imaginar... --...Acorda,
dê valor ao que tem, deixa de ser sonhador. --Como
posso deixar de olhar um anjo? --Qualquer
hora você cai das nuvens. Mulher, bonita assim, sozinha? Deve ter
algum problema. ---Que
tipo de problema? --Ah, não sei...Pés grandes? Nunca imaginaria meu querubim com pés mais lindos que aqueles, até a curva era sensual, de sua boca aos dedos de seus pés lindos. Ela é claro que sabia, ela se fazia de rogada e eu, de olhar perdido, quando era ela, eu fingia que nem eu mesmo eu era...Como se fora camaleão, tentava me disfarçar em alguma quimera, ou em personagem de conto ou novela, um penteado diferente, uma gravata mais ousada. Que coisa, assim ela mais de lado olhava! --Olhe
só. Que tipinho! --Poxa,
hoje ele até está bonito. --Tem
de fazer muito esforço para ficar sequer apresentável! Tenha
dó! --Olha só... E eu caminhava neste mundo povoado de fantasias, apaixonado por suas curvas, maravilhado com seu sorriso, aparvalhado de paixão e dor. Sempre havia o momento do confronto, sempre o olhar de desprezo ao fim do dia. Sempre a mesma coisa, numa rotina de perpétua procura. Sentia-me um perfeito escravo, à sua mercê. --Atenção,
moço, cuidado que tem olho mais comprido que o seu! --Quem
é? --Você descobrirá. Não diga que não avisei! Não foi sem imensa sensação de perda, quase que uma amputação, quando a vi junto de um qualquer com cabelos engomados, bunda de atleta e braços que não se cansavam de apertar o que eu sonhara ser meu um dia. Sim, eu sabia, um dia serão minhas estas pernas, um dia o meu dia será melhor com estas covinhas, seu riso franco encherá os ares de minha tarde com sua simpatia, eu a peço em casamento, ah, um dia! Mas não, lá vai ela de braços com a perdição, lá se vai o pouco que restava de minha alegria, não pode ser... --...Pois
é. Eu avisei, um dia você cai das nuvens. --Ele
é o quê? --Bem,
você sabe, elas são todas iguais. É filho do chefe,
moleque esperto, estuda Administração e já tem cargo
garantido... Aconselho que você a esqueça. --Melhor
não? Senão nem emprego mais eu tenho! --Melhor. Quem avisa amigo é! Quis matá-la. Quis que o dono de sua cintura tivesse um entorse na hora mais impossível, quis que ela se traísse e olhasse bem nos olhos dele e falasse o que sentia por mim, eu desejei imensamente que todas as gerações dos patrões do mundo fossem de meninos mancos e impotentes. --Coitado,
caiu das nuvens... --...Tão
apaixonado! --É
sempre assim. Um ama, o outro despreza... --Quer
saber? Eles se merecem. Ele se salva desta! --Duvido... ...Quem ama de verdade sabe que quando o amor morre, liga-se o motor da saudade. Eu a via nos cartazes, nos rostos das vagabundas que procurava, eu a via solta nos quadros dos cinemas esfumaçados que freqüentava para fugir da dor que me estilhaçava. Mas não há mal que sempre dure nem amor que nunca acabe. Fui em frente, saí da tal empresa, me aventurei pelo mundo sempre com seu rosto como moldura. Cresci e me senti qual homem livre, à deriva e à procura de mim mesmo. Percebi que o que procurara estava dentro e fundo de mim. Casei, tive duas filhas que puxaram á mãe, amadureci na vida e só o que sobraram são os olhos dela que vez em quando povoam minhas insones madrugadas. Fiquei sabendo que a linda mulher se perdeu nas esquinas da vida, esquecida pelos muitos namorados que teve, doente do coração. Fiquei sabendo que meu antigo amor morrera quando a vi num parque, sozinha, ressequida, olhando pássaros num lago, expressão endurecida como seu caráter. Passei ao seu lado, sorrí, dei adeus e ela entendeu.Nem sei se me reconheceu... --Quem
é, papai? --Uma antiga ferida, pequena... Curada. |
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