O
CICLO
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Claudio
Alecrim Costa
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Ainda era noite quando acordei ofegante e com o coração aos pulos. Tinha visões imprecisas de um sonho que terminava com uma pessoa pulando da minha janela. Levantei e me arrastei cansado pelo corredor até chegar ao banheiro, onde lavei meu rosto e examinei minha aparência decrépita. Parecia um homem morto. Voltei para a cama e deixei o corpo afundar no colchão, enquanto o mobiliário dissolvia-se até restar somente o escuro e manchas de néon flutuantes... A porta se abriu e me vi entrando aflito. Enchia o copo com uísque e bebia num só gole. Caminhava até a janela, subia no parapeito e deixava o corpo cair... Acordei em pânico e escorreguei para o chão, com a luz do sol me lambendo o rosto como um cachorro. Por que me suicidava? O telefone tocou estridente... - Alô? - Senhor Borges? - Sim, sou eu... - Aguardamos o senhor para o adiantamento de seu livro... - Claro! - Obrigado, senhor Borges... - Eu que agradeço... Havia trabalhado como um louco para entregar meu terceiro livro. Não era um sucesso como escritor, mas havia um tempo que conseguia sobreviver do ofício com algum sacrifício. Solitário, escrevia compulsivamente, embalado por generosas doses de uísque que comprava quase diariamente. Conjeturei a possibilidade de meu sonho ter algo a ver com os excessos, alimentação precária e poucas horas de sono. Praticamente passava a maior parte do tempo no exíguo apartamento bebendo e escrevendo. Recebi da editora o dinheiro pelo livro e fui ao mercado, onde comprei algumas garrafas de uísque e mais papel. Bebi um café quente e voltei para o apartamento. Na entrada do prédio, com expressão austera, e abraçada a um gato, uma mulher me seguia com olhar oblíquo. Peguei o elevador e um homem saiu apressado, esbarrando em mim e quase derrubando as garrafas que eu carregava como um tesouro. Abasteci a impressora com papel e o copo com uísque. Sentei-me diante da folha em branco e digitei algumas letras. Sem ânimo, sentia a distância do mundo e já não podia agüentar o universo que criara em torno de mim com histórias que remontavam a minha rotina e solidão. Estava girando em torno do mesmo enredo. Fui até a janela e vi carros e escutei buzinas distantes. Morava no décimo sexto andar, o que aumentava a sensação de desolação. Subitamente, apoiei o joelho no parapeito da janela e, sem controle do que fazia, me joguei... Abri os olhos e estava tudo escuro. Podia ver sombras que corriam pela parede vindas da rua e o distante vozeio indecifrável. Lembrava-me perfeitamente de ter me jogado da janela, mas estava em minha cama com a garrafa de uísque vazia. Teria sonhado novamente? Tudo parecia tão real. A janela estava aberta e o vento colocava as cortinas em movimento. O dinheiro da editora não estava mais ao lado do computador e nem o uísque que comprara. Eu havia pulado de minha janela. Definitivamente não era um sonho. Desabei na cama e apaguei. Acordei com o telefone tocando impiedoso... - Alô? - Senhor Borges? - Sim, sou eu... - Aguardamos o senhor para o adiantamento de seu livro... Desliguei com pavor. As garrafas de uísque estavam vazias. O telefone voltou a tocar insistente. Depois de muito tempo, atendi... - Alô? - Senhor Borges? Desliguei novamente. Fui à editora sem acreditar no que acontecia. O tempo perdera o sentido. Recebi o dinheiro pelo livro. Passei no mercado e comprei bebida e papel. A mesma Mulher continuava parada na entrada do prédio e, no elevador, o homem esbarrou em mim... Deixei a bebida quente descer queimando minha garganta e caminhei em passos lentos até a janela. Estava preso em meu sonho. Joguei-me no vazio até o impacto que me fez acordar. Desesperado, voltei à janela e gritei por socorro. Ninguém me ouvia. Estava preso entre a vida e a morte. No limbo. Como costumam dizer sobre os suicidas. |
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