O
QUE SERIA SE NÃO FOSSE O QUE É...
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Jorge
Eduardo Machado
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"Quem
não arrisca não petisca!", repetia o amigo malandreado
enquanto Astolfo uma vez mais se lamuriava por ser invisível à
moça bonita da biblioteca. "Ora,
se imponha, rapaz! Convide-a para um baile, faça a corte que uma
senhorita de fino trato merece", aconselhava o vetusto professor
de Cálculo 3, orientador do rapaz e de quem se falava ser tão
antigo que figurava no numerário de patrimônio da universidade. A
verdade é que, noves fora as vozes da ousadia e da experiência,
o estudante de Física não encontrava atalhos para chegar
ao objeto de seu interesse. Sempre que seu peito se intumescia de ânimo,
por qualquer obra do acaso que o fazia acordar com mais coragem naquele
dia, o caminho a levá-lo à bibliotecária parecia
contradizer as leis da ciência. O tempo se desdobrava em mais segundos
do que um minuto pode comportar; os metros se fragmentavam em uma pletora
de partes intransponíveis, transformando algumas dezenas de centímetros
em uma trilha olímpica. E, quando finalmente alcançava o
balcão onde se apoivam aqueles cotovelos de veludo alvo, tremia
ante o sorrioso mavioso da amada, sem conseguir formular a pergunta decisiva:
"Vo... Vo... Você sabe se já devolveram aquele livro
de Física Quântica?" Certo
dia, o tímido acadêmico leu no jornal que, para uma combinação
romântica perfeita, o ideal seria ter o homem menos beleza que a
mulher. Os estudiosos garantiam que era essa a fórmula para um
relacionamento duradouro e feliz. Credenciado pela informação
cientificamente comprovada, encheu-se de enstusiasmo. Ajeitou os óculos
de cinco graus de miopia, conformou a calça ao abdômen protuberante,
penteou os cabelos meio encrespados e foi à refrega denodado. A
moça organizava umas fichas de livros e nem percebeu a aproximação
de seu possível príncipe encantado. Prontamente, ele soltou:
"Se eu te convidasse para ir ao cinema, você aceitaria?" Entretida
com a tarefa, a bela ergueu os olhos discretamente e respondeu: "Não".
E voltou a trabalhar. Ainda suando frio, Astolfo pensou que o amor não é como ciência exata, decerto; mas que tem seu grau de previsibilidade, ah, isso tem! E saiu da biblioteca imprecando coaxos contra seus incentivadores, a quem agora poderia dizer, com ar de superioridade: "E eu não tinha razão?" |
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