GERALDO
BATE NA MULHER
|
|
E.
Rohde
|
|
Ele começa a ficar violento lá pelo fim da segunda semana. O médico diz que Geraldo sofre de uma psiconeurose. Deu até um remédio. Quando ele toma, fica tudo bem. Quando se esquece, quando a raiva chega antes, aí não tem jeito. Ele diz que não tem nada a ver com o remédio, que a culpa é dela, que se ela não provocasse ele não batia. Tem cabimento deixar a louça por lavar, que não tem um copo limpo para se beber água? É pedir demais um copo d'água limpo? ele disse outro dia, antes de descer a mão. Ela aguenta. Não sabe por quê, mas aguenta. Talvez porque teme que se não fosse ela absorver a raiva, ele era capaz de coisa pior. Matar alguém. Há duas semanas, quando voltou do trabalho, parecia uma criança que chega da escola. Veio correndo até ela e a abraçou e a beijou e disse eu te amo e quanta saudade. Depois levou-a ao cinema. Jantar fora não, porque o dinheiro não dá para isso. No dia seguinte foram caminhar na praia. Conversaram muito. Ele disse que queria mudar de emprego, passar mais tempo com ela. Só que agora não dava, tinha que terminar de pagar o financiamento da casa. Faltam dez anos para liquidar o financiamento. Geraldo prometeu que daqui há dez anos muda de emprego. Daqui há dez anos ele vai parar de me bater, ela pensou, sonhando de olhos abertos enquanto ele arrumava a mala, ainda resmungando da camisa que não secou porque ela se esqueceu de lavar. Foi esse o motivo da última bordoada. Ele saiu sem se despedir. Foi trabalhar, embarcado na plataforma. Vai morar vinte e um dias na câmera hiperbárica, uma caixa de ferro pouco maior do que uma cama, afundada a mil metros de profundidade. É dali que ele, mergulhador, sai para dar manutenção na sonda. Para ele, serão três semanas de claustrofobia, quando a única distração será contar as horas, os minutos que faltam para voltar para casa e rever a mulher e ter quatorze dias de liberdade antes de começar tudo de novo. Para ela, vão ser três semanas de paz, tempo para refletir se vale a pena estar em casa quando ele voltar. Uma reflexão que ela faz todas as vezes. E que sempre acaba com a mesma conclusão. Uma conclusão que até agora ela não teve coragem de levar a cabo. |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|