Pensativo, acompanhava aquele transitar aparentemente inocente no apartamento em frente ao seu, como se ela não percebesse o seu olhar atento.

Vez ou outra, arrepiava-se quando ela resolvia ousar e lançar um olhar fixo, ora envolvente, ora sensual, ora infantil, como se fosse um prêmio por sua espera noturna.

Uma brincadeira que surgira do nada estava lhe tirando o sono noturno e a tranqüilidade diária.

Não conseguia mais trabalhar direito. Pegava-se imaginando aquele andar sensual transitando nas folhas de seus relatórios. Até os seus amigos mais próximos perceberam tal mudança de espírito.

O que fazer?

Uma aproximação? Será que ela não estava esperando esta atitude de sua parte? Afinal, poucos metros os separavam de um contato mais próximo.

No entanto, a vontade era cerceada pela indecisão. Só não sabia o porquê desta indecisão ser tão forte a ponto de impedir os seus passos, justo ele que se considerava com certa desenvoltura no trato com as mulheres.

Mas ela era diferente. Sentia isso. Não queria se precipitar. E com a espera deste ritual noturno, passou a conviver e ansiar por ele.

Eis que, numa bela manhã, viu que tinha acordado mais cedo do que o habitual e resolveu fazer o desjejum na padaria da esquina antes de ir para o trabalho.

Sentou-se, leu o jornal, tomou o café, e quando o garçom se aproximou com a conta, pressentiu um olhar mirando sua nuca.

Um calafrio percorreu o seu corpo. Ficou petrificado. Conhecia de longe esse olhar. Sabia que qualquer movimento em falso poderia colocar por terra tudo aquilo que estava vivendo. Entregou o cartão para o garçom, pagou a conta, levantou-se cuidadosamente, respirou fundo e procurou o olhar que tanto mexia com ele.

E foi tão forte este momento que, num acordo tácito e velado, optaram por seguir em frente, para não permitir que a mazelas advindas no dia a dia dos relacionamentos pudesse colocar em risco a magia noturna que passara a fazer parte de suas vidas.