Atualização 185 - Tema Livre
BIOGRAFIA
O BAFO
Zeca São Bernardo

Quando lhe disse que nossos novos vizinhos eram muito, muito estranhos você retorquiu que eu é que era o chato que não deixava os outros em paz! Afinal de contas, após a aposentadoria, não tinha muito o que fazer em casa.

Durante uns dias concordei, depois fiquei mais desconfiado. Aquela família só saia á noite. O homem parecia possuído, cabelos desgrenhados, olhos sempre vermelhos, pálido como um guardanapo usado onde aqui e ali vê-se as nodoas do molho de tomate após a macarronada de domingo. E a mulher dele?

Deus do céu, a mulher dele parecia um cadáver. Literalmente falando, os cabelos lisos escorriam pela nuca, olhos vagos fitando a noite sem fim.

Já vi gente perder-se contemplando a linha do horizonte ou o pôr-do-sol. Mas à noite, nua sem estrelas, sem lua foi a primeira vez.

Logo surgiram as primeiras vítimas do menino, filho deles lógico, um cachorro mutilado ali, um gato preto sem uma gota de sangue e com os pelos arrepiados de terror encontrado no terreno baldio do outro lado da rua.

E, você minha querida que fez? Ou, ainda, melhor: que fazias tu ó Alice?

Ria-se de mim, de tudo e de todos. Á amigos, parentes e vizinhos dizia que depois de velho dei para mentir. Descabida e desvairadamente.

Enquanto coisas sérias aconteciam no mundo: o efeito estufa, a corrupção patente no país, a carência de ordem no tocante a tudo que era público e a incongruência entre nossos políticos e as necessidades e vontades do povo.

São vampiros!- gritei-lhe numa manhã de domingo e quase morreste de tanto rir. Deixaste a mesa do café da manhã posta e ligaste para nossos filhos dizendo-lhes que precisavam me internar!

Ora, tinhas que provar que certa estavas, claro que boa mulher não o faria antes de internar o marido no sanatório? Lhe pedi, roguei, implorei para que não os visitasse nem os admitisse em nossa casa. De nada adiantou, convidaste-os para um jantar qualquer noite destas.

Alice, Alice...quanta saudade deixou! E, agora que abandonas tua fria sepultura á noite e vem ler os jornais do dia aqui em nossa casa eu sou forçado a repetir todas as noites:

? Mas Alice, eu já lhe disse que não sou mitônamo!

É o seu inferno e o meu, meu amor. Por favor, escove os dentes da próxima vez, não agüento mais esse bafo nauseabundo.

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