O
BAFO
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Zeca
São Bernardo
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Quando lhe disse que nossos novos vizinhos eram muito, muito estranhos você retorquiu que eu é que era o chato que não deixava os outros em paz! Afinal de contas, após a aposentadoria, não tinha muito o que fazer em casa. Durante
uns dias concordei, depois fiquei mais desconfiado. Aquela família
só saia á noite. O homem parecia possuído, cabelos
desgrenhados, olhos sempre vermelhos, pálido como um guardanapo
usado onde aqui e ali vê-se as nodoas do molho de tomate após
a macarronada de domingo. E a mulher dele? Deus
do céu, a mulher dele parecia um cadáver. Literalmente falando,
os cabelos lisos escorriam pela nuca, olhos vagos fitando a noite sem
fim. Já
vi gente perder-se contemplando a linha do horizonte ou o pôr-do-sol.
Mas à noite, nua sem estrelas, sem lua foi a primeira vez. Logo
surgiram as primeiras vítimas do menino, filho deles lógico,
um cachorro mutilado ali, um gato preto sem uma gota de sangue e com os
pelos arrepiados de terror encontrado no terreno baldio do outro lado
da rua. E, você
minha querida que fez? Ou, ainda, melhor: que fazias tu ó Alice? Ria-se
de mim, de tudo e de todos. Á amigos, parentes e vizinhos dizia
que depois de velho dei para mentir. Descabida e desvairadamente. Enquanto
coisas sérias aconteciam no mundo: o efeito estufa, a corrupção
patente no país, a carência de ordem no tocante a tudo que
era público e a incongruência entre nossos políticos
e as necessidades e vontades do povo. São
vampiros!- gritei-lhe numa manhã de domingo e quase morreste de
tanto rir. Deixaste a mesa do café da manhã posta e ligaste
para nossos filhos dizendo-lhes que precisavam me internar! Ora,
tinhas que provar que certa estavas, claro que boa mulher não o
faria antes de internar o marido no sanatório? Lhe pedi, roguei,
implorei para que não os visitasse nem os admitisse em nossa casa.
De nada adiantou, convidaste-os para um jantar qualquer noite destas.
Alice, Alice...quanta saudade deixou! E, agora que abandonas tua fria sepultura á noite e vem ler os jornais do dia aqui em nossa casa eu sou forçado a repetir todas as noites: ? Mas Alice, eu já lhe disse que não sou mitônamo! É o seu inferno e o meu, meu amor. Por favor, escove os dentes da próxima vez, não agüento mais esse bafo nauseabundo. |
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