UM
CONTO DE BEIRA DE ESTRADA
|
|
Tieme
Mise
|
|
Um freio brusco. Ananias abriu um olho, ainda adormecido. O caminhão estava parado. Havia uma mulher curvada na frente do caminhão. Chovia fino sob a luz do farol. O tio já havia descido da boleia do caminhão e rapidamente se aproximou da moça, que ostentava uma barriga avantajada. Ele falava algo e a mulher parecia relutar, balançando a cabeça, mas, por fim cedeu. O farol iluminava a estrada molhada. Puxando-a pelo braço seu tio a conduziu para fora da estrada e a colocou sob uma árvore. Ananias pensou no contratempo. Olhou de soslaio para o relógio de pulso. Eram quase 23hs. Viu a mulher ajoelhar-se, como se possuída por alguma entidade de umbanda, e levar a mão à barriga. Resolveu descer do
caminhão que cheirava a manga madura, a carga que transportava.
Foi se aproximando devagar quando um grito agudo rompeu o ar seguido de
um longo e entrecortado gemido. A mulher se deitou, com os olhos arregalados.
Agora o grito parecia um urro de um animal ferido. O tio, nervoso e meio
atrapalhado pediu-lhe a manta grossa que havia comprado para o frio, que
estava sob o banco no saco de roupas. Foi buscar a contragosto pois não
havia sentido molhar a melhor manta das duas que estavam no saco, com
a chuva que caia agora com mais força. Quando
ia descendo do caminhão com a manta, ouviu um grito agônico
e um choro estridente. Correu para o local vendo o tio debruçado
sobre a mulher, tendo nos braços ensanguentados um filhote de algum
animal. Apurou os olhos agora bem despertos e pode ver, através
da chuva, um bebê que berrava enquanto seu tio ria como um doido. -Anda, me dá
a manta, Ananias. Entregou a manta quase
sem sentir. Seu tio enrolou o bebê desajeitadamente na manta e pediu
o canivete e a linha de costurar a lona que cobria o caminhão.
Desta vez veio
correndo. A mulher, sem forças,
olhava a cena como se não fosse com ela. Viu o tio amarrar o cordão
grosso e ensanguentado que unia o bebê à placenta imersa
em uma poça de sangue, e com o canivete separou o bebê daquele
complemento agora inútil. O bebê chorava. A
mulher pareceu despertar do torpor que a acometera e estendeu os braços,
recebendo o bebê enrolado na manta. Aconchegou-o ao corpo quente
e ele, como por encanto parou de chorar. Meu
tio perguntou onde ela morava. Ela lhe disse que o marido havia ido buscar
a parteira e como estava demorando demais, as dores haviam aumentado.
Resolveu ir até a parteira, mas não aguentou chegar até
lá. Viu a luz do caminhão e resolveu pedir ajuda. Enrolou-se na manta,
aconchegando o bebê ao próprio corpo e foi até a boleia
do caminhão amparada por meu tio. Perguntou o nome dele e o meu. - Jose e Ananias -
disse meu tio. A mulher sorriu e
disse que o menino se chamaria Josenias. Seria a única forma de
agradecer a ajuda. O caminhão
parou em um vilarejo de casas pequenas. O marido e a parteira pareciam
assustados pela ausência da mulher. A receberam com gritos e sorrisos
de alegria. Ela
orgulhosamente anunciou o nascimento do terceiro filho, desta vez um menino
que se chamará Josenias. Entrou
um pouco na casa pobre, mas limpa, de dois vãos apenas, enquanto
o tio se banhava e trocava a camisa suja. Duas meninas dormiam num colchão
em um estrado.. Após um café
quentinho feito pela parteira, Ananias deu uma última olhada no
Josenias que sugava com avidez o seio materno da mulher que sorria. Rejeitaram
o convite para a pernoite. Mãos foram apertadas e José se
despediu. Tinha pressa e já estavam atrasados mais de duas horas
da entrega da carga de manga. Partiram sob a chuva fina que não
cessara em nenhum momento. Ananias
olhou o tio que mantinha um sorriso suave nos lábios e balbuciou - Josenias! Ambos sorriram. A estrada, agora novamente silenciosa, os engoliu! |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|