MINHA
VÓ
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Sharon
Ratis
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- Quando eu tinha uns 16 anos, minha família achou que era a hora de pôr minha vó numa "casa de repouso" (que é o nome bonitinho que dão para os asilos). Minha vó era diabética e não se cuidava, estava sempre com dificuldade para andar e com dores na barriga. Ora vesícula ora fígado. Diziam que, lá, ela seria cuidada por gente experiente e que, em casa, ela ia acabar morrendo mais cedo. Fora que ela reclamava e repetia as coisas um milhão de vezes. Até hoje, sou contra o que fizeram, pois minha avó me criou, ela tinha de ter ficado conosco até o fim. Eu era muito apegada a ela, mais do que na minha mãe. Mal via minha mãe, que tinha de trabalhar a mais não poder para cuidar de sua mãe e suas filhas. Eu achava que o dinheiro do asilo poderia ser gasto para pagar alguém que cuidasse dela, em casa. Claro que as coisas não eram tão simples assim, mas era a minha lógica adolescente. Foi muito triste ver minha avó passar seus últimos anos naquele lugar. Você descreveu muito bem: um depósito de velhos. Eu e minha irmã estudávamos e trabalhávamos, então só podíamos vê-la no fim-de-semana, por duas horas, que era o tempo do horário de visitas. Minha avó ficava o tempo todo beijando a gente, segurando nossas mãos, fazendo de tudo para parar o tempo. Se eu tivesse maturidade e condições financeiras, na época, eu não teria deixado ninguém fazer isso com ela. E eu ? O que eu faria ? Eu, que não tenho paciência com nada. Mas eu era só uma menina, né ? Sei que minha avó sofreu muito lá, pois ela também era um grude só comigo e com minha irmã, principalmente. Fora que a minha avó nunca foi de fazer amigos. Ela dizia que "amigo é dinheiro no bolso". Então ela ficava numa ilha de solidão cercada de velhos por todos os lados. Velhos que ela chamava de velhos, como se ela fosse uma jovem! - Mas essa é a minha experiência. Minha avó andava com dificuldade, mas andava, tomava banho sozinha, alimentava-se bem até demais, tanto que vivia com a diabetes lá em cima. Ela reclamava aquelas coisas de velho, sabe ? Reclamava porque eu e minha irmã brigávamos, reclamava do meu gênio ruim, reclamava que minha mãe - exausta de tanto trabalhar - não dava atenção para ela, reclamava quando sentia suas dores. Até unha encravada ela tinha. E era hipocondríaca até dizer chega! Reclamava quando nós não comíamos tudo, quando não tomávamos banho na hora que ela queria, reclamava porque eu queria que ela gastasse o dinheiro dela (da aposentadoria) com revistas de Rock, para mim. - e, tantas foram as vezes que ela gastou! Era meio surda, então tínhamos de repetir as coisas mais de uma vez. E ela era racista!!! Lembro de um episódio que, hoje, dou risada, mas na época, morri de vergonha. Ela já estava no asilo, mas eu tinha ido levá-la ao dentista para fazer outra dentadura (viu de onde veio minha preocupação ?), aí passou um homem negro, vestido de branco e ela: "Esse preto é o dentista ?" O engraçado da história é que ela pensou que estava falando baixinho, só para eu ouvir, mas o consultório todo ouviu!!! Outra coisa que ela fazia e que me fazia morrer de vergonha (veja como a gente é boba, na adolescência) era que ela entrava pela porta da frente do ônibus, com dificuldade, por causa das pernas (ela era gorda, esqueci de dizer. Não obesa, mas gorda.), eu tinha de ajudá-la a subir e depois sair correndo para eu entrar pela porta de trás. Ela mal se equilibrava e começava a me chamar, perguntando se eu já tinha subido. Eu nem podia fazer-de-conta que não era comigo, pois ela só parava de me chamar quando eu gritava: "Já subi, vó!", fazendo todo o ônibus olhar para mim. Ou quando ela me avistava. Imagine isso num ônibus lotado, na época em que todos entravam pela porta de trás e ficavam empacados na roleta! - Quando eu assistia a filmes de medo e ficava apavorada, era na cama dela que eu buscava refúgio. E isso até quando era mocinha. Ela não me obrigava a comer verduras e acabou desistindo de me obrigar a tomar sopas. Quando eu era pequena, lembro que ela me dava a sopa na boca, contando histórias que ela mesma inventava. Depois, já um pouco mais crescida, sentava no chão, a cabeça no colo dela e pedia que ela pedisse a Deus para que eu passasse de ano. Para que fulano gostasse de mim. Para que minha mãe não descobrisse algum mal-feito que eu julgava bem-feito. Esses problemas seriíssimos que as meninas têm. Ela, sentada em sua cadeira de balanço, de palhinha, passava a mão no meu cabelo e dizia que não ia acontecer nada, que Deus ia me proteger. Não protegeu. - Eu gostava de dizer que ela era "imorrível". Ela e mais dois artistas de quem eu gostava muito e achava que não suportaria a perda. Suportei. Não tive escolha. E hoje sei que, se passei pelo pior, passo por qualquer coisa. É que eu gostava de fazer manha. Até para o time de futebol que eu torcia vencer um jogo eu pedia para ela "pedir pra Deus"! - Brigávamos tanto quanto uma menina mimada e uma adolescente teimosa podem brigar com uma pessoa tão mais velha e conservadora. Tudo era motivo para que eu a respondesse, aos berros. Não quero tomar banho. Não quero estudar. Não quero apagar a luz. Não quero comer. Depois, na maioria das vezes, eu me arrependia. Mas o orgulho não deixava que eu pedisse desculpas pelas minhas grosserias. Mesmo assim, ela perdoava. - Antes de dormir, ela fazia eu e minha irmã rezarmos. Dizia que só bicho dorme sem rezar. No fim das orações, eu dizia: "bença, vó", ela respondia sempre do mesmo jeito: "Deus lhe abençoe, minha filha, Deus lhe faça muito feliz". Sabe ? Rezo até hoje, antes de dormir. E peço a bênção dela. Mas, dessa vez, Deus não fez o que ela pediu. |
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