UM
ANO QUE TERMINA, OUTRO QUE COMEÇA
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Raimundo
Lopes
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Pois
é, todo ano é a mesma coisa: temos a doce sensação
de que o ano que inicia não tem relação direta com
o ano que findou. Ou seja: acabou, acabou. Nada disso! Esquecemos, é
claro, que o dia 31 do ano que termina é o dia anterior do dia
01 do ano que inicia, portanto, um dia atrás do outro, com uma
noite de virada no meio. Porque
estou dizendo isso? Simples: a cada ano que se inicia, nós fazemos
novos projetos e esquecemos os que já tínhamos planejados
no ano anterior e que, muitas vezes, nem passamos perto de cumpri-los
- pelo menos, parcialmente. Que dentre os novos projetos, estão os de sempre - não os do ano que acaba - mas de todos os anos findos e nunca cumpridos em nossa existência, mas que agora você está certo de realizá-lo. Para
começar, você vai passar a caminhar e fazer exercícios
regulares, a partir da segunda feira - a primeira do ano que se inicia
- e vai parar com as frituras, as gorduras, os chocolates, os sorvetes
e só se alimentará de coisas saudáveis, de preferência,
orgânicas; que não consumirá tudo que vê e o
que a televisão o manda comprar como sendo a salvação
de todos os males, obstáculos ou defeitos; que disponibilizará
mais tempo para a família e planejará umas férias
inesquecíveis e que no ano que se inicia nada fará você
desistir do velho curso de inglês - um sonho acalentado desde que
passaram a financiar pacotes promocionais para os States. Porém,
o ano que se inicia tem um diferencial que o outro ano - o que está
acabando - não tem: a possibilidade de passar quase 365 dias se
enganando com promessas, projeto e planos que estão na sua cabeça
e que, por detalhes que somente você compreende, nunca é
colocado em prática. Sempre você tem uma desculpa ou uma
segunda chance a mais para poder adiá-lo para a semana seguinte.
Além
do mais, o ano que se inicia lhe dá a sensação de
poder apagar tudo que se passou - vale salientar que o "apagar"
aqui tem a conotação de "pagar" -, inclusive a
dívida do cartão de crédito, o furo do cheque especial,
o empréstimo que lhe tira uma boa parcela do seu minguado salário
e até aqueles juros embutidos da casa própria financiada
em 100 meses e que até agora você só conseguiu abater
às 10 primeiras parcelas e que somadas já lhe dá
a dimensão da dor de cabeça que terá pela frente,
melhor, teria, se não fosse o ano que se inicia. O ano que se inicia também serve para resolver os problemas pessoais. Sim. A mágica da mudança do numeral maior que o anterior, na primeira casa, ou seja, a unidade decimal lhe dá a paz necessária para esquecer as desavenças, as discussões, os males entendidos e achar que tudo volta a ser como antes, como se nada tivesse acontecido na amizade, no relacionamento profissional e na relação pessoal. O ano que termina
não pode lhe dar mais nada. Mas pode tirar. E tira. Tira mais um
ano de vida, aumentando a quantidade de anos na sua idade biológica;
diminui em um ano a quantidade de anos que você terá pela
frente e tira um pouco da mocidade que ainda teima em permanecer em você
e o que é pior: não lhe dá a chance de recuperá-los. Por isso, o ano que
se inicia é a tábua da salvação. Depositamos
todas as nossas fichas nele e nos preparamos para recebê-lo com
pompa. Primeiro, compramos uma roupa nova, para toda a família,
no cartão, em 05 suaves prestações. Em segundo, fazemos
um empréstimo para completar o valor do carro que acabamos de trocar
e que deixamos justamente para o final do ano, pois assim criamos a ilusão
de que tudo será "apagado" no ano que se inicia. Em terceiro,
pegamos a parcela do 13º e nos damos de presente alguns DVDs, CDs
e livros; e o que sobra você distribui em presentes para a parentada
e com aquele jantar no restaurante mais caro da cidade onde é servido
um cardápio de dar água na boca, mas que em termos de frituras
e gorduras passa longe do recomendado pelos nutricionistas de plantão.
Nem é preciso falar na sobremesa: tortas doces, sorvetes, pudim
e manjar. Mas não tem problema. O ano que se inicia serve justamente para aumentar as esperanças de que tudo será melhor, mais propício e que sua esfera de mundo será mais ou menos como você planejou... No ano que findou. |
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