CHOQUE
DE ORDEM
|
|
João
Rodrigues
|
|
O menino entra correndo barraco adentro e se esconde no pequeno banheiro, como os olhos arregalados, coração quase saindo, e fica lá, entre o vaso e o minúsculo box. - O que foi, menino? - Pergunta a mãe mais assustada que o menino. - O Choque de ordem, mamãe! Vão derrubar os barracos e mandar a gente pra longe daqui. Vão matar a gente, mamãe. Eu não quero sair daqui, eu não quero. - E começa a chorar. - Que história é essa, menino? Aqui quem manda é a milícia. Prefeitura manda nada aqui não. - Responde a mãe, tentando acalmar o menino. - Mas eles derrubaram o barraco do Magrinho. A polícia ta lá fora, botando todo mundo pra correr; descendo o cacete a torto e a direito. A mãe joga
o avental em cima da pia engordurada, esfrega as mãos na barra
da saia imunda, dá uma ajeitada no cabelo e se dirige à
janela enquanto o menino treme sentado na tampa do vaso. Da janela a mãe observa tudo calmamente. A favela. A velha e boa favela em mais um dia de rotina. Só mudou o nome: Choque de ordem. Não haverá mais gatos na luz, na água nem na net. Não haverá mais vans nem botijões de gás a preços exorbitantes. Não haverá mais lojas nem botequins ilegais. Tudo regularizado. As ruas serão asfaltadas. Todos terão escola e saúde dignas. A favela virará uma nova Zona Sul: sem bagunça, sem irregularidades. Sem esgoto a céu aberto, sem toneladas de fios em postes de madeira. A nova Canaã. A mãe volta até o filho: - Vai dormir, menino. Não se preocupe. Nada vai mudar. Se eles acabarem com a pobreza quem vai trabalhar pra eles, pagar impostos pra sustentar essa corja toda? Mesmo sem entender muito o que a mãe estava falando, o menino se levantou e foi se deitar. E a mãe também. Afinal, já estava acostumada a isso: alguém tem que levar a culpa. |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|