DO
AMOR E OUTROS ALIMENTOS
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Elaine
Duarte
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"E
eis que de repente
No caminho passou
por uma floreira na janela de uma casa. Decidiu roubar uma margarida e
levar para Vivian. Não conseguia conter a ansiedade de revê-la.
Como era linda! A pele branca e suave, os olhos amendoados e expressivos,
a boca delicada e convidativa o faziam perder o sono. Há dias que
não pensava em mais nada, só nela. Tocou a campainha.
O empregado abriu a porta e pediu que entrasse. Parou no corredor e ficou
a espera de Vivian. Não sabia em qual porta entrar ou qual corredor
seguir, e, mesmo que soubesse, não conseguiria se mover. Vivian desceu as escadas,
deslumbrante em seu vestido branco até o joelho com flores vermelhas
bordadas na barra. Os cabelos presos mostravam os ombros brancos, macios
e delicados. Leandro deu a ela a margaridinha roubada. Vivian agradeceu
e colocou-a num vaso junto com outras tantas flores. Entraram em uma das
portas e saíram numa sala enorme, cheia de sofás, tapetes,
cristaleiras e quinquilharias antigas. Sentou-se no sofá mais próximo
da porta, sentia-se mais seguro. Ela serviu então um de seus licores.
Leandro virou o cálice e tomou num só gole. Não conseguia
saboreá-lo. Foram para a sala de jantar. Sentiu-se inseguro diante
de tantos talheres, não sabia como usá-los. As taças
eram de cristal e as louças eram de porcelana compradas em um antiquário
em Hangzhou, e ele nem sabia onde ficava Hangzhou . Levantou-se da mesa
e olhou-a. Sentiu vontade de ir embora, apesar de deseja-la mais que tudo,
mas achou que seria deselegante. Perguntou onde era o banheiro para disfarçar.
Quando voltou encontrou Vivian sentada na sala escolhendo um CD para embalar
o restante da noite. Leandro sorriu por dentro. Imaginou que seria uma
ótima oportunidade para tomá-la nos braços e beijá-la.
Ao invés disso foi tomado por um sentimento de impotência
quando ela disse que não sabia dançar e colocou logo uma
melodia nada romântica. Ficaram ali sentados, conversando futilidades. Uma hora depois Vivian
delicadamente sugeriu que era tarde. Leandro afrouxou a gravata e saiu
meio sem rumo observando como aquela noite estava bela. No céu
a ausência da lua dava lugar ao brilho das estrelas. Aquela era
Vivan! Linda, deus, como era linda! Como a desejava! Sonhava com suas
belas mãos brancas acariciando suas costas e afagando-lhe a nuca.
A boca delicada sussurando doces palavras em seus ouvidos e beijando carinhosamente
sua testa. Decidiu ir embora
pra casa. Lá, na companhia de uma boa música, poderia pensar
no que fazer com relação aos seus sentimentos por ela. Quando chegou no pequeno
quarto da rua Rocha Faria resolveu tirar o terno e tomar um banho. Ali
bem perto alguém também chegava em casa incomodada com o
sapato de salto agulha. A moça olhou para um vaso de belas rosas
vermelhas na mesinha da sala e desejou que houvesse ali apenas uma margarida
roubada de algum jardim alheio. Flor roubada tem mais valor, envolve um
certo ato de heroísmo. Caminhou para o quarto e sentiu-se aliviada
ao tirar os sapatos e o vestido de noite. Sentiu vontade de comer um chocolate.
Olhou no relógio e era cedo, a padaria do seu Carlos ainda estava
aberta. Colocou sua velha calça xadrez e foi comprar chocolate. Leandro passou alguns
minutos sem roupas esperando passar a coceira. Maldita coceira era aquela
que ele tinha depois do banho. Resolveu fumar um cigarro e viu que só
havia um último no maço. Olhou no relógio e era cedo,
a padaria do seu Carlos ainda estava aberta. Colocou sua velha calça
xadrez e foi comprar cigarros. Na padaria encontrou a moça do chocolate.
Não falaram uma única palavra, apenas se olharam e trocaram
um sorriso de cumplicidade. E como as pessoas se enganam nos sentidos
do olhar, sobretudo no princípio, Leandro voltou pra casa pensando
em Vivian e a moça do chocolate pensando no moço das rosas
vermelhas. Ao chegar em casa
a moça foi direto pra cama e adormeceu. Durante o sono sonhou que
alguém lhe dava uma margaridinha roubada, mas não era o
moço das rosas vermelhas, era o moço do cigarro. Leandro
ainda resolveu fumar um cigarro antes de se deitar. Quando foi pra cama
ficou rolando até que adormeceu. Acordou e sentiu alguém
sussurando palavras doces em seus ouvidos, acariciando suas costas, afagando
sua nuca e beijando sua testa. Mas não era Vivian, era a moça
do chocolate. Deixou-se ficar ali e adormeceu novamente. Pela manhã ambos despertaram com suas lembranças oníricas. Mas ao contrário dos gostares, que sabiamente existem alheios a nossa vontade, a razão desconhece os presentes da vida. Assim Leandro passou o resto do dia pensando em Vivian e a moça do chocolate pensando no moço das rosas vermelhas. |
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