Atualização 185 - Tema Livre
BIOGRAFIA
SOBRE RESOLUÇÕES E BARATAS
Beto Muniz

PRIMEIRA RESOLUÇÃO DE ANO NOVO: "Escrever um texto deixando bem claro para amigos e familiares que o contato, mesmo que visual com uma barata me incomoda, me causa medo, pavor".

- Uma pizza em tua casa? Claro! Mas você tem alguma barata de estimação?

Caso a resposta seja afirmativa já considero dispensar o convite. Eu não sou radical, até me submeto ao contato de praxe na chegada, aquelas festinhas logo após tocar a campainha. Fico firme quando a porta se abre e lá está a barata (ou baratas), agitando as anteninhas em minha direção, feliz ou ansiosa com a chegada de estranhos, mas estabelecidos os cumprimentos e troca de rapapés da visitação acabou. Retire-a, envie a barata de estimação para outro ambiente.

Não sei você, mas eu tenho medo de baratas. Na verdade não é medo, é fobia. A simples visão de uma barata é suficiente para me deixar tenso, num misto de transe e pavor. As mais aterrorizantes são as voadoras, que investem na direção da gente fazendo barulho. Seja ruido amistoso ou de estranhamento, para mim são rugidos que petrificam meus músculos e congela meu raciocínio.

Minha melhor amiga mora no interior de São Paulo, liga regularmente insistindo que eu vá visitá-la. Vou, adoro! Mas apesar dos meus protestos ela não tem a dimensão do pavor e incômodo que a presença de sua barata gigante me causa. E é uma barata descomunal, preta brilhante, três vezes maior que uma barata normal. Admito que após a agitação inicial, ou seja, minutos após minha chegada, a barata gigante não dá mais a mínima atenção pra mim, é como se eu nem estivesse ali. Mas tem a fobia cozinhando meus neurônios. Não consigo ser racional e ficar à vontade com aquela baratona dormindo no canto da sala. Desculpe amiga, mas confesso que a minha freqüência em tua casa é menor por conta dessa barata anabolizada! Cada vez que preciso ir ao banheiro, ou sair do quarto de hóspede é um tormento mental. Só de pensar que a baratona está ali, no corredor, no outro cômodo, na cozinha, eu desisto e fico encantoado. Não vou! Fico horas esperando alguém aparecer para me servir de escudo.

Mas se a barata schwarzenegger me esquece logo após eu chegar, na casa de minha mãe é o contrário. Ela cria três baratas oompa-loompas soltas pela casa. Minhas irmãs adoram as baratinhas, mas eu não. Quando chego é um alvoroço de baratinhas em minha direção, e são daquelas que fazem barulho! Horror do horrores... Se elas se aquietassem, acostumadas com a minha presença, acho que estaria tudo bem, mas cada movimento meu provoca uma reação de algazarra. Se me levanto para pegar água elas saltam novamente em minha direção. Se dou um passo em direção ao banheiro é um estardalhaço. Eu respiro e elas agitam as antenas. Se quiser me sentar elas estão lá, no sofá. Se quiser me deitar, elas estão sobre a cama. Então fico em pé, incomodado, irritado. Mas os piores momentos, o auge da tensão e irritação acontece durante as refeições. Basta me sentar à mesa para as Oompa-Loompas se apresentarem famintas, elas pousam as patinhas em minha perna pedindo restos de comida. Insuportável, inadequado e inadmissível. Como minha mãe e irmãs não percebem o inconveniente de receber visitas com essas baratas à solta, perturbando, aterrorizando? Não me sinto bem repetindo o quanto tenho pavor de baratas e costumo ir embora antes do planejado, afinal, os incomodados que se mudem! Pior, ainda sou acusado de ir na casa da mãe só pra buscar fogo - é o modo do mineiro dizer que a visita não se demora. E meu humor também não se demora, invariavelmente saio da casa de minha mãe resmungando contra o mundo.

Já fiquei três anos sem visitar meus pais, numa época em que eles criavam nada mais nada menos que onze baratas! Sabe o que é entrar numa casa e ser rodeado por onze baratas?

O que eu preciso fazer para que todos entendam que suas baratas me causam pavor?

Por serem as criaturas mais odiosas entre a maioria das pessoas que conheço, eu uso a metáfora das baratas - que nunca me incomodaram, para situar os leitores dentro do meu drama. Estou falando de cães. Tenho medo de cachorros, desde o pequerrucho Poodle da minha mãe até o gigantesco Rottweiler de minha amiga. É uma fobia explicável, mas pelo jeito ninguém se importa em respeitar. Quando o focinho do monstro se aproxima meu raciocínio congela, os amigos e parentes costumam debochar dizendo que seus "filhos" não mordem, só querem cheirar, conhecer, estabelecer contato... Preferia que mordesse, que estraçalhasse, que eu levasse inúmeros pontos em cada ferimento se, em troca, eu nunca mais tivesse que dividir o mesmo ambiente com um cachorro. Infelizmente, por mais que eu solicite distância ninguém se toca do incômodo, do terror que uma barata, digo, um cão me causa. Só me resta dispensar bons convites e ficar em casa.

SEGUNDA RESOLUÇÃO DE ANO NOVO: "Não aceitar convites de quem não estiver disposto a manter seu cão de estimação bem longe de mim".

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