FELIZ
NATAL CHEFE!!!
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Zeca
São Bernardo
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Enfim, a última gaveta fechada-pensou. Logo os funcionários do condomínio cuidariam do resto. Luzes
dos corredores apagadas, portas trancadas, alarmes ligados e vigilantes
em seus devidos lugares. Como numa opera, cada ator em sua marcação,
contudo muda. Contudo surda a solidão da cidade que os envolvia.... Feliz Natal, chefe!- alguém disse, não perdeu tempo nem de se virar para responder. Meneou a cabeça, sabia bem o que os funcionários falavam pelas suas costas. Era tido como rigoroso, mau humorado e perfeccionista. Cobrar de toda sua equipe o que lhe cobraram uma vida inteira: perfeição! Nem mais, nem menos. Erros? Sim, claro, quem não os comete apenas aguarda a oportunidade que certamente virá. Contanto que fossem logo reconhecidos, responsabilidades apuradas, assumidas e a óbvia melhoria do processo ou da operação comprovada com o aprendizado somado as garantias dadas pelos subalternos que não aconteceria o mesmo erro uma segunda vez. Cada
passo dado na direção da porta lembrava-lhe mais o rancor
de uns e de outros pelo posto que atingira após anos de trabalho
duro do que os dias de descanso das férias coletivas. De fato,
corria a boca míuda e cabe aqui a indagação de que
se as bocas fossem maiores talvez fizessem mais barulho ou as línguas
não dobrariam-se mais ante ao temor do marulho da saliva estalando
nos dentes e no palato ao falar da vida alheia, deixando quem sabe quantos
textos sem indagação alguma por ventura aguardando as respostas
que alguém tomasse da pena, da caneta ou do teclado do computador
para escrever sobre a vida alheia? Corria a boca míuda que só
não fora promovido a gerente pela cor da pele, coisas de um país
que se conhece pouco. Coisas que vão chegando ao fim, outros alegavam
que o diretor dele não gostava, afinal, não tinha duas coisas
que ele muito apreciava num homem para tal responsabilidade: família
e vícios. Qualquer ângulo que tomarmos para apreciar a discordância destes dois pontos será, sempre, vago , impreciso ou obtuso. Certamente o homem tem lá seus motivos, quiça bons ou não, quiça perneavéis por alguma lógica distorcida para associar duas coisas tão distintas como necessidades para tal cargo. A primeira parece nos óbvia, já a segunda um tanto questionável, não? Deixemos
isso para alguma nota de rodapé de algum manual obscuro de gestão
de recursos humanos escrito, quem sabe, por aquele especialista da moda.
Aquele que sabe tudo ou quase tudo de como a alma ou a vontade humana
podem ser devidamente motivadas ou dobradas para gerar lucro sobre lucro
para os patrões e prover mais sonhos e ilusões a milhares
que se formam todos os anos. Nem nem outro são objetos de crônica ou pequeno conto. Não, nosso assunto aqui é o preço. Esse sim, alto e que nunca poderemos realmente avaliar. Não pode ser mensurado em números e jamais ouvi falar que lágrimas dessem bons gráficos como os que povoam a mente do chefe que agora se distancia, atravessa a rua, aguarda-o o mesmo motorista de taxi, aquele que nunca faz perguntas. Aquele
mesmo que todos os anos o conduz na ante véspera de Natal primeiro
ao cemitério e o aguarda por cerca de uma hora bem contada no estacionamento,
depois conclui a viajem deixando-o num hotel barato ali próximo.
Tão pouco estão certos ambos sobre o preço da corrida.
Foram-se os anos que discutiram sobre isso. Como foram passados os anos
que aquele menino aguardava ansioso a chegada do Papai Noel, um velho
tio bêbado mal fantasiado e que sempre lhe trazia uma bola, uma
bala, um sorriso e partia para a noite onde visitava a vizinhança
levando sempre um sonho no saco já vazio a suas costas. Num
Natal não veio. Num Natal enterraram-no vítima das balas
de um revolver que não era de brinquedo! Depois
foram-se os irmãos, depois foi-se o pai, depois despediu-se da
mãe que não chegou a vê-lo formado. Com anel de doutor
como dizia, vítimas todos do preconceito, da falta de oportunidades,
do acesso ao tratamento de uma doença hoje tido como ambulatorial:
a tuberculose. Paga a diária no balcão, não pede recibo, essa conta não precisa lançar em lugar nenhum. Sobe pela escada, gira a chave na porta e vê que os pacotes estão todos lá. Um a um os confere, abandona as roupas, terno para um lado, meias caras de outro, cinto de bom couro e carteira de grife tem seu descanso num canto manso qualquer da cama que nunca deitou. Veste-se as pressas, botas lustradas, calças folgadas, os mesmos travesseiros de sempre o ajudam com a barriga que não tem. Casaco enfiado, cinto cingido, gorro colocado sobre a peruca farta, senta-se em frente ao espelho, abre o pote da embalagem da maquiagem de palahço...só para clarear a pele um pouco, murmura. Lembra-se do tio, lembra-se de sua risada, lembra-se do ho - ho- ho do velho Noel de sua infância. Sente vergonha da vergonha que sentiu de si e pela primeira vez em anos vai-se toda a maquiagem para o pequeno cesto de lixo. Enfia no rosto os óculos sem lente, barba e bigode postiço, sorriso e lágrimas desmancham-se no reflexo do espelho que, comovido, ele não vê acenar-lhe. Desce pelo elevador, o porteiro o ajuda com os pacotes e com o saco vermelho. Este ano comprou brinquedos demais, muitas bolas, bonecas, piões, carrinhos, aviõezinhos. Não mensurou exato o quanto de mãos precisaria para carregar todos aqueles embrulhos. No escritório isso seria um erro grave, ali deu a vida seu jeito. Boa noite, disse-lhe o homem encoberto pelas sombras no beco. Boa noite respondeu, seria assalto- pensou. Um pouco cedo para começarmos, não?- disse-lhe o velho fantasiado de Papai Noel De
fato, muito serviço, posso pagar se o senhor me ajudar a levar
isso tudo até o ponto de taxi mais próximo. Pagar?
Sim, sim, claro que pode. Mas digamos que essa noite não! Essa
noite eu o ajudo, afinal já é quase Natal. Descem
a rua juntos, despedessem num tom cerimonioso. Há no velho o insensato
cheiro de torresmo e pinga. Coisa não casadoira com o bom velhinho. Passos
já idos retorna, tem nos olhos um brilho estranho. Posso
só arrumar uma coisa?-diz-lhe. Sim,
sim...responde, acho que o cinto está torto mesmo. Não sei. Não,
não é o cinto, meu amigo. São os óculos! Os
óculos? - pergunta. Sim,
os óculos e com as duas mãos os entorta levemente primeiro
para a esquerda depois para a direita. Assim está melhor, muito
melhor, vá em Paz diz dá-lhe as costas e desaparece com
a lua que vem surgindo. Embarca
no primeiro taxi que pára. Noite feliz, não, ensaia o motorista uma conversa. Não o ouve, quase não o vê, pensativo procura por algo na memória. Desce, paga a corrida com o pouco que deixou nos bolsos de um ano para o outro. Não notou a chuva fina que descia, enfiou a mão no bolso do casaco e desenterrou o pequeno espelho. Esqueceu de esquecer que não estava maquiado esse ano e súbito, admirado, contemplou a face do próprio tio tal e qual se lembrava um mulato com barba e bigode postiços e os óculos sempre tortos. Não
direi como acaba, se é que essa história um dia terá
fim. Dizem que não existe Papai Noel, dizem que não existe
espirito de Natal, dizem tanta coisa por ai e por aqui que já não
sei nem mais se quero ouvir algo de alguém! Hoje, só quero dizer: Feliz Natal, chefe!!! Ho, ho, ho.... |
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