Atualização 184 - Minicontos de natal
BIOGRAFIA
NOITE FELIZ
Eva Ibrahim

O natal estava próximo, as lojas repletas de adornos, luzes coloridas e muitos brinquedos nas prateleiras. As casas já se preparavam para as festas natalinas enfeitando os jardins. As fachadas exibiam luzes pisca-pisca e árvores com enfeites de natal; Havia uma euforia no ar. Os supermercados cheios de promoções e pessoas comprando compulsivamente para estocar alimentos para a ceia. A corrida é anual, assim que é pago o décimo terceiro salário, as pessoas saem á rua para as compras.

Mas, na casa de Leia o natal seria triste, a situação estava difícil depois que Odair, o marido, a abandonara; ele a trocou pela bebida. Desde o começo do ano as brigas eram freqüentes entre o casal; O homem começou a beber, perdeu o emprego e finalmente voltou para a casa da mãe, que o acolheu prontamente, minando qualquer chance de reconciliação. Com dois filhos, João de dez anos e Laura de oito, a mulher saiu para trabalhar, deixando as crianças aos cuidados da avó materna. A tarde ia buscá-los para passar a noite com ela.

Conseguia pagar as contas mais urgentes, comprar comida e mais nada; seu salário de auxiliar de cozinha era insuficiente para comprar roupas ou presentes. Como ela dizia aos filhos, teriam que se conformar e agradecer por ter comida em casa.
Mas, o menino queria ganhar uma bicicleta e a menina uma boneca grande. Todas as noites, ajoelhados, pediam ao papai do céu que trouxesse o pai de volta para casa.

A mulher aceitara conformada a separação, não queria ser mulher de alcoólatra. Odair nunca mais a procurara, nem para ter notícias dos filhos. Soubera que estava internado em uma clínica de recuperação, mas não pensava em procurá-lo, precisava trabalhar para sustentar as crianças. A mágoa era grande, deixaria o tempo correr e acalmar seu coração. Quando via casais abraçados na rua sentia o peso da solidão; ainda amava o marido e procurava afastar os pensamentos e se concentrar no serviço.

A casa que nessa época estaria toda enfeitada, agora permanecia sem adornos; levaria as crianças para a casa da avó e lá passariam a noite de natal. Não armaria a árvore, para não sofrer mais; a ferida estava aberta e doía muito. Queria esquecer os natais felizes que a família passou unida. Estava mais magra fisicamente, mas intimamente se sentia fortalecida, havia se apegado á Deus. No fundo esperava um milagre.

Leia evitava sair de casa com as crianças, para que não pedissem brinquedos ou coisas que não pudesse comprar. Tentava demonstrar alegria para compensar a falta do pai. A noite, não conseguia dormir, imaginando como o marido agüentava ficar tanto tempo longe dos filhos e dela também. Será que seu casamento fora uma mentira? Odair dizia que a amava tanto, jurava fidelidade, era carinhoso, onde foi que errou? Adormecia chorando, mas tinha que continuar, as crianças precisavam da mãe forte e decidida.

A semana passou depressa e o dia 24 amanheceu nublado, deixando a mulher ainda mais triste; voltaria mais cedo para casa e faria algumas com pras para levar á casa da avó. Em onze anos era o primeiro natal que passaria longe do marido; tinha que ser forte, a noite seria longa. Estava se sentindo uma artista de teatro, teria que representar o tempo todo para ninguém perceber a dor que trazia no peito.

Voltou para casa após o almoço e foi fazer faxina; depois, diante da insistência das crianças, decidiu montar a árvore. João e Laura ajudaram a colocar os enfeites, estavam contentes, por um momento parecia que voltara ao passado, bons tempos aqueles.
Ficou animada, o espírito natalino entrara naquela casa; foi á cozinha, fez bolo, maionese, preparou um frango recheado e foram se aprontar, afinal, era natal. Mesmo só, sentia a magia no ar, uma paz tomou conta do seu coração. Levaria a comida para a casa da avó. Faria todo o possível para que as crianças não sentissem a falta do pai.

Estavam bonitos, com suas melhores roupas; na verdade, queria ficar em casa, mas tinha medo de chorar e estragar o natal das crianças.
Ainda era cedo para sair quando a campainha tocou; João levantou e foi abrir a porta e com um grito chamou a mãe. O pai estava lá com uma bicicleta e um grande embrulho nas mãos; a mulher não se conteve e correndo abraçou o marido. Lágrimas correram dos olhos dos dois, marido e mulher, unidos outra vez.

As saudades eram muitas, de ambas as partes, enquanto as crianças pegavam os presentes o casal conversava; havia muita coisa a ser dita...
O marido estava recuperado e trabalhando em uma empresa de acessórios para autos, recebera o primeiro salário e gastara com os presentes das crianças. Naquele momento ela reconheceu o seu amado Odair, o homem de sua vida. Aquele que priorizava a felicidade das crianças.

Ligou para a avó dizendo que ficaria em casa com o marido e os filhos. A felicidade voltara áquele lar, a família estava novamente reunida e a noite seria de alegria e muito amor. O milagre acontecera, o amor estava de volta e ela não o deixaria escapar. Olhando para o alto agradeceu á Deus por aquele momento de intensa felicidade; seu natal estava salvo. Papai Noel existe, pois lhe trouxe o único presente que poderia fazê-la feliz, seu marido, o seu amor. Aquela seria uma noite feliz.

Ao longe os sinos das igrejas badalavam incessantemente chamando os fiéis para a Missa do Galo; A noite de Natal estava instalada e sua magia tomava conta do ar.

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