VERDE,
BRANCO E VERMELHO
|
|
Bia
Lelles
|
|
Eu
estou aqui sentada, batendo palmas ao som de uma tarantela, mais absorta
em meus pensamentos do que atraída pela cadência da música.
Crianças dançam no palco improvisado na quadra do colégio,
comemoram o fim do ano. Os meus lá já subiram e dançaram
e sorriram. E eu os aplaudi e sorri. Como deve ser. Meus
olhos secos observam tudo: os flashes dos pais-paparazzis, os passos de
dança desencontrados, as roupas coloridas. Um
pai se levanta e sai, sob os protestos do filho, antes que a apresentação
acabe. Uma garotinha quer cantar junto ao coral, mas a mãe tem
compromissos mais urgentes. E eu me perco em pensamentos vazios. Então
me deparo com ele. As crianças cantam, mas não as ouço
mais. Sua imagem doce hiptoniza meus sentidos. Torpor. Estamos
a três pais de distância: de pé, apoiado num encosto
de cadeira, ele está boquiaberto diante do espetáculo que
se desenrola a sua frente. Os olhos brilham a cada mudança de luz,
a cada rodopio infantil sobre o palco. Quantas
coisas aqueles olhos já viram nessa vida? As rugas foram acumulando-se
em torno deles, como sulcos em terra árida, e cada uma delas têm
história triste para contar. Os cabelos foram-se há muito,
restando uma penugem branca sem vida. As mãos embrutecidas agarram-se
ao encosto, numa tentativa de manter em pé o corpo desobediente
de quase um século. Mas
o brilho está lá. Nos olhos, irrigando a pele morta; no
sorriso, ainda que de pérolas falsas; na aura de menino, que se
expande e toma todo o lugar. Quanta
coisa há de ter visto esses olhos que ainda se encantam com uma
dança desencontrada de crianças? Quanta
coisa será preciso passar por meus olhos para que eu me encante
com a singela pureza desse alegre desencontro de crianças numa
dança? O
show acabou. Acendem-se as luzes e posso ver o sorriso alegre voltado
para mim. As pérolas são verdadeiras. |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|