BOBAGENS
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Julio
César Caetano
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Tinha quer ser assim, ou deveria, ou imaginaria eu que fosse assim: eu sentado. Voltando, ou indo, pra qualquer lugar e num dado momento falasse baixinho, para mim, "Tuff day", daí ouviria uma voz feminina ao meu lado dizer: - Nem me diga. Eu a olharia, ela me olharia, primeiro com um sorriso gentil, depois ficaria séria, constrangida, imaginando que tivesse sido abusada demais. A partir daí começaríamos a falar do tuff do dia de cada um. Bobagens. Bobagens sendo ditas, de lá para cá. De cá para lá até que elas se encerrassem com um sorriso discreto e desconcertado de ambos os lábios. Viria então aquele momento, aquelas sensações e pensamentos do ser indeciso, do ser pensante. Pensaria eu que poderia dizer mais alguma coisa, só para puxar assunto, mas não querendo parecer ousado, ficaria mudo; ela pensando que eu poderia puxar assunto, ser um pouco ousado. Nada de nada. Ela então pegaria um livro de dentro de sua pasta. Neruda ou Kafka ou Assis, não, era Veríssimo. Isso mesmo, era Veríssimo, justamente o autor que, vergonhosamente, eu nunca tinha lido. Perguntaria então se ela estava gostando e as bobagens recomeçariam até que ela olhasse para fora do vagão, era a sua estação. Eu sem saber onde enfiar as mãos, suadas, geladas, com a boca seca que tentava lhe pedir um contato. Mas nada...mas tudo!: ela retiraria um cartão da bolsa: "me liga", num tom meio assim - por favor, não pense que eu sou assim com qualquer um, mas te achei uma pessoa legal e gostaria de te conhecer melhor. Eu, surpreso, receberia o cartão, olharia e sorriria para ela, como que - será que eu ligo antes ou depois do almoço? Antes do almoço. A convidaria para almoçar e almoçaríamos falando bobagens; eu, as minhas; ela, as dela. Neste ponto já saberíamos, velados que o nada já não era nada, era alguma coisa. E desta alguma coisa arranjaríamos um cinema & um chope com pizza & um te ligo amanhã, na porta da casa dela. Bem comportados, cheios de suspiros. Viria então outro almoço, outras bobagens - descobriria que cada um tinha uma porção de bobagens para contar, daquelas boas de se ouvir, de se falar - e outras sessões de cinema, destas não me pergunte sobre os filmes. Depois o primeiro convite para um café na casa - desculpe a bagunça, não tive tempo esta semana, diria um ao outro. - E assim descobriríamos tantas, tantas coisas em comum, e outras tantas que não. Assim, não alguém especial, conhecido numa ocasião especial, não um amor à primeira vista. Nada de princesa, nada de fazer os olhos brilharem como passe de mágica. Tinha que ser alguém que fizesse o brilho nascer e crescer a cada dia, a cada conversa, a cada toque. E que eu sentisse tanta força neste brilho, meu e dela, que decidiríamos juntos que seria melhor se. E viver cada dia, tuff ou não. Dias comuns, um após o outro, uns com Sol outros com chuva. Tentando sempre fugir da rotina, criando amigos, curtindo os amigos, discutindo às vezes, se entendendo, sempre. Pagando as contas, cuidando da alimentação, pensando em ter um cachorro, pensando em trocar de carro, visitando os pais no fim de semana, chegando um pouco atrasado no trabalho, reclamando do congestionamento, do preço da gasolina, passeando de mãos dadas no shopping, almoçando, jantando juntos e falando bobagens. As nossas. |
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