REFLEXÕES
NOTURNAS
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Valéria
Vanda de Xavier Nunes
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Ultimamente, Júlia estava se tornando uma pessoa bastante pensativa. Ela lembra que já havia lido em algum lugar, que quando se caminha para a idade mais avançada, ou seja, "dobrando o cabo da boa esperança", costuma-se perder um pouco de da altura, a visão começa a dar vexame e não se fazem mais o que se gosta com a mesma agilidade e, entre outros desconfortos, começa-se nesta fase também, a diminuir as horas de sono. Pode até não serem verdadeiras estas afirmações, mas que ultimamente o seu sono estava dando sinais de que andava alterado, isso com certeza é verdade. Ela não sabia se por causa da idade, do estresse do cotidiano, ou pela saudade que sentia de suas filhas, que viviam distante, o certo é, que já não dormia o "sono dos justos" como acontecia antes e eram nestas noites insones, quando ficava com a cabeça rodando de um lado para outro no travesseiro que as divagações começavam a povoar sua mente levando-a a questionamentos do tipo: "Quem sou eu? O que estou fazendo aqui neste mundo de Deus? Qual será a minha missão nesta vida? E se é certo que todos nós temos uma missão nesta vida - qual seria a minha"? Ela começava a achar que essa história de "crise de identidade" não é brincadeira de psicólogo não. Para ela, parecia que todos que chegavam a uma "certa" idade, começavam a se fazer estas perguntas. Nestas noites de insônia, Julia às vezes era acometida de momentos de tristeza profunda e inexplicável. Uma inquietação constante se apossava dela e começava a divagar sobre a sua vida passada, presente e futura. Eram nestas horas que percebia como tinha sido privada de uma das melhores fases da vida que é a adolescência. Ficava se perguntando, como era possível uma pessoa se casar na idade que ela o havia feito. Júlia havia se casado aos dezessete anos. Pode uma coisa desta? Não por que estivesse grávida, não... não foi por isso, podem acreditar. A causa de seu casamento "apressado" foi um beijo roubado numa hora errada, e descoberto por seu pai, pode? Pois é, repito mais uma vez que pode. Com isto não lhe foi dada na época o direito de escolha. E então, ela tem inteira consciência de que sua vida sempre foi pautada em cima de muitos deveres e poucos direitos. Quando olha suas sobrinhas que hoje estão com dezesseis ou dezessete anos, acha-as umas gurias, umas menininhas, e fica lembrando que na idade delas, ela já era uma mulher casada e com todas as responsabilidades do novo "status". Como isso foi possível, ela não sabe dizer. Só sabe dizer que, a partir do momento que pulou da fase da infância para a fase adulta, perdeu de viver plenamente os anos "rebeldes". Perdeu o direito de ser uma jovem "inconseqüente", de dormir até não agüentar mais, de não ter responsabilidades maiores, a não ser a de estudar. Júlia , a partir daquele momento, perdeu o direito de ter seus próprios amigos, de ir a uma festa, a uma praia, tomar um sorvete com uma colega, ir ao cinema com os amigos, dormir na casa da amiga íntima, poder namorar todos os rapazes, praticar o esporte favorito, ter seus segredinhos com as amigas, não precisar se preocupar com a casa, com o almoço, com a roupa lavada nem com a empregada, enfim, perdeu muito cedo o direito de ser "livre", e a liberdade, descobriu um pouco tarde demais, era a coisa melhor do mundo. Mas, Júlia é também consciente de que, "no momento em que você se une a alguém pra valer, tudo isso é deixado para trás, pois você não é mais você somente, você é apenas a "metade da laranja". Você deixa de ter sua própria vida e passa a dividir sua vida com alguém, de certa maneira, você se "aprisiona" a outra pessoa." Para Júlia, estar casada nesta idade, nos primeiros anos da adolescência - a fase mais bonita da vida - é como viver numa "gaiola dourada", com seus encantos, suas maravilhas, suas vantagens, mas que lá no fundo, você sabe que perdeu um pouco da sua identidade, e se não tiver cuidado, vai se deixando levar pelo outro até perdê-la de uma vez. Talvez por isso, por não ter vivido plenamente sua adolescência, hoje, como professora de adolescentes, muitas vezes, Júlia não consegue compreendê-los quando se mostram tão rebeldes, tão irrequietos, conversando demais uns com os outros, pois, não pode dizer: "já fui como eles." Talvez, lá no fundo, bem no inconsciente, ela sinta certa "inveja" desta despreocupação, desta rebeldia sadia e própria dos adolescentes e que lhe foi negado o direito de também possuir. Hoje, se lhe fosse possível voltar atrás no tempo, e lhe fosse permitido escolher, lhes garanto que certamente ela não se casaria com dezesseis anos incompletos. Ah! Não...isso jamais. Não que ela e a família tenha "cometido" um erro, pois seu casamento dura até hoje e em vias de completar trinta e cinco anos, e ela pode dizer com certeza que é feliz. Mas, sinceramente, Júlia jamais aconselharia ninguém, a nenhuma adolescente no auge de seus dezesseis anos, nos dias atuais, a se aventurarem em um casamento quando têm diante de si todas as liberdades de escolhas que lhe são permitidas. Júlia sempre disse que não se deve negar a ninguém o direito de viver plenamente as fases da vida: infância, adolescência e idade adulta. Para ela estas fases devem ser vividas por todos, em toda a sua plenitude. O mundo moderno oferece às mulheres toda a sorte de oportunidades e liberdade de escolhas, cabe a cada uma escolher entre a sua liberdade e o casamento o que para ela, hoje com a experiência que tem, seria a última das prioridades. Não que ela seja contra o casamento, isso não, mas, acha que toda mulher deve lutar pela sua independência financeira antes de qualquer outra coisa; nenhuma mulher deve depender de ninguém e nem mesmo do próprio marido para o que quer que seja. O casamento deve vir sim, mais tarde..., para coroar tudo, pois ninguém nasce para ficar sozinho, e a solidão, é um campo muito longo para ser atravessado sozinho. |
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