ATRAVÉS
DO TEMPO
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Tieme
Mise
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Remexendo em velhos papeis encontrados na estante da casa na qual seus avós sempre viveram, abriu descuidadamente o velho livro carcomido, de capa que outrora fora negra, agora mostrando um acinzentado escuro e maltrapilho, esfarrapado em vários lugares. Amassada, a fotografia se desprendeu da folha amarela e caiu, rodopiando no ar quase sem peso. Com as pontas dos dedos, apanhou-a do taco encerrado e, ajeitando os óculos nos seus olhos míopes, reconheceu aquele sorriso que tanto coroara a sua infância. Seu avô deveria ter entre 3 e 5 anos, não mais. A cabeleira vasta e cacheada era diferente da dos últimos tempos, na qual alguns fios brancos ainda resistiam no crânio desnudo. A boca mostrava, através do sorriso, dentes brancos enfileirados e ostensivos que a muito já não faziam parte da fisionomia atual, onde uma dentadura folgada parecia se equilibrar precariamente entre o palato e a gengiva nua. A única coisa que permanecia, herança dos primeiros anos, era o sorriso largo e inconfundível. Os grandes e atentos olhos negros haviam perdido a sua luz com o passar dos anos e nadavam na concavidade funda das órbitas. Aquela boca carnuda desaparecera, deixando em seu lugar a lassidão de lábios trêmulos e inquietos. O pequeno nariz do garotinho havia crescido e se enchido de veias finas e azuis, acompanhando as orelhas pêndulas, antes tão firmes e artisticamente semi desnudas. Agora um tremor contínuo acompanhava os passos de seu avó, sobre as pernas arqueadas e magras tão diferentes das da foto, torneadas e fortes sob o calção de veludo azul. Quase
inconscientemente, comparou os primeiros anos com os quase últimos
de agora e viu a cruel implacabilidade do tempo. Com cuidado, quase com reverência, colocou novamente a velha foto no livro desgastado e com passos leves foi até o pátio onde seu avô se balançava ao sol da manhã e o abraçou com carinho como sempre fazia. Mas desta vez aquele abraço trazia raízes implantadas mais profundamente em seu espírito, num reconhecimento terno da brevidade da vida vendo o rosto do avô se iluminar com o sorriso que tanto amava. A alma do avô dançava através daquele sorriso. |
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