O
MUNDO DE AREIA
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Osvaldo
Luiz Pastorelli
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Para o amigo Al-Chaer Os primeiros anos naquele mundo inóspito, violento no tempo constantemente ruim, foram difíceis. Paciente e observador como aprendera na academia, aos poucos, seu corpo e mente, foi se integrando aquele mundo desolado e triste. Assim que terminou o curso, designado para o mundo de areia, como diziam, fazia de tudo para não causar desequilíbrio no sistema. Na sua primeira oficialidade no Posto UM não queria gerar desapontamento. Sua função era simples. Tinha que inspecionar as válvulas colocadas nos pontos estratégicos da cidade, anotar os números e, todos os meses, isto é, quando completasse trinta anotações, transmitir para a Casa de Força que controlava a energia e segurança. Duas vezes por dia, era obrigado a enfrentar o vento cortante e interrupto. Não havia um tempo determinado, não havia dia e noite, havia sempre um tempo de vento. Para isso tinham um grosso agasalho parafernático protegendo-o da areia marrom cortante. Os transgressores da ordem eram colocados nus, amarrados, pernas e mãos abertas, naquele vento que aos poucos lanhava a carne até ficarem os ossos e, esses às vezes se diluíam misturando-se com a areia. Certa ocasião teve que amarrar um transgressor ao vento afiado como faca. Dois dias depois, verificou que até a madeira tinha sido desfiada pelo vento. Com lhe disseram na academia, aquele mundo não tinha dia e nem noite, assim como todos os que ali estavam, foram preparados para não sentirem sono, ele era orientado pelo grande objeto pendurado na parede da sala, que mais poderia ser um relógio do que outra coisa. Quando o ponteiro chegava ao número doze e ao numero seis, tinha que enfrentar o vento de areia com a finalidade de cumprir sua função. Recebia como salário - palavra que não conhecia - doze Dragons para o alimento. Cada Dragon representava um mês, e cada Dragon dava direito de, na Casa dos Alimentos, adquirir a comida para um mês, isto é, assim que completasse trintas anotações. Al-treu escreveu sua ultima anotação. Contou. Trinta anotações. Olhou para seu ultimo Dragon. Agora podia, na Casa de Alimentos, adquirir o alimento para mais trinta anotações. Vestiu o grosso agasalho parafernático, verificou o compartimento de água se estava cheio, abotoou, abaixou a viseira, respirou lentamente, o ar que saia do botijão, funcionava direito, ligou a bússola e, sorriu ao ver o ponteiro funcionando direito. Ao abrir a primeira porta, Al-treu lembrou que muitos se perderam por não terem verificado com atenção o agasalho. Sem orientação, sem água e ar, muitos morriam engolidos pelo vento, vários agasalhos, ou restos de agasalhos, uma vez ou outra era encontrado enterrado na areia. Fechou a primeira porta. Bateu com o pé para que a areia depositada no chão caísse entre as grades. Só depois é que abriu a segunda porta. O vento escancarou a porta violentamente, se Al-treu não estivesse com peso no sapato acoplado ao agasalho, teria sido arremessado para trás. Ligou a bússola, pressionou o ponteiro indicando a Casa de Alimentos, e se pôs a caminho. AL-treu mais uma vez conseguira, depois de vinte minutos de caminhada contra o vento açoitando-o, chegar a Casa do Alimento. Os primeiros anos, nas primeiras anotações, se não estivesse bem preparado, por pouco teria se perdido. No capacete, que também estava acoplado ao grosso agasalho, tinha duas lâmpadas. Uma fraca e outra mais forte. A fraca era para caminhadas pequenas e, a mais forte para caminhas longas. Servia também, para visualizar os edifícios imponentes como a Casa do Alimento. Acendeu a lâmpada forte e, sua luz vislumbrou a escadaria. Viam-se vários focos de luzes opacas, por causa da areia que o vento carregava sem parar, subindo e descendo a grande escadaria. Al-treu entrou na Casa de Alimento. A primeira iniciativa foi desligar as luzes e levantar o visor do capacete. Não podia tirar o agasalho por dois motivos: ficaria nu e pela baixa temperatura. Al-treu não tinha pressa. Caminhou pelos corredores longos e, ao ver a placa indicando: Posto UM, virou a esquerda e entrou em outro corredor. Dos dois lados do corredor tinham várias portas. Procurou a porta que tinha o seu nome. Assim que a encontrou, viu-se num amplo quarto com espelho ao fundo onde podia ver o alimento passando por uma esteira, e, em cada alimento tinha uma placa com um numero. Ao lado do espelho, na parede estava um painel com vários números. Para escolher era preciso digitar o número do alimento. Precisava achar um grande, de bom tamanho para durar as trintas anotações. Por infelicidade os alimentos pareciam que diminuíram, estavam menores. Demorou um pouco mais dessa vez. Até que apareceu um grande. Digitou o numero do alimento. Foi recolhido por um gancho. AL-treu foi até a abertura ao lado do espelho e esperou. Não demorou muito, uma caixa apareceu na abertura. Para livrá-la do gancho, precisou colocar na fenda o ultimo Dragon que possuía. Pegou a caixa, colocou debaixo do braço. Não sabia por que foi invadido por uma sensação de que estava sendo seguido. Agilizou os passos. De um momento para outro sentiu necessidade em chegar rápido à sua casamata. Reprimiu-se evitando olhar para traz. Não era preciso, pois sabia que o seguiam. Tinham descoberto seu segredo. Até que ele conseguiu enganá-los por um bom tempo. Mesmo assim, entrou rápido, fechou a porta, passou a tranca e correu para o cômodo onde estava o Al-treuzinho, como ele o chamava. O estranho monte de carne, disforme, onde mal conseguia ver um olho, boca, queixo, nariz, tronco atrofiado, se arrastou contente ao ver Al-treu. Estava com fome, queria comer. AL-treu desesperado pensou em eliminá-lo e esconder aquele que, bem ou mal, tinha feito companhia a ele por todos esses tempos. Sabia que não adiantaria nada, eles sabiam, eles tinham como descobrir os transgressores do sistema. Portanto, pegou Al-treuzinho no colo e, esperou. Resignado, cabisbaixo, nu na frente dos senhores do sistema, não adiantou dizer que se sentia sozinho, que não estava mais agüentando a solidão, que as paredes da casamata o oprimiam. E que ao trazer Al-teuzinho, isto é, seu alimento, verificara que ele ainda estava vivo, que de seus olhos escorriam lágrimas, que sentiu pena, que não teve coragem de devorá-lo, que resolveu criá-lo pouco se importando com sua aparência, que fez de tudo para alimentá-lo naquelas trintas anotações, que roubara alimento no lixo de outras casamatas, e que estava feliz que tinha sido assim. Evitando em não pensar no que teria acontecido com Al-treuzinho, ouviu sua sentença: seria amarado de pernas e braços abertos ao vento de areia. Na sua ficha que seguiu para o Campo de Treinamento, tinha uma anotação: era preciso intensivar com mais apuro o treinamento dos futuros soldados do sistema, para que não houvesse novamente incidente como o que acontecera com o soldado Al-treu. |
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