PRIMEIROS
PASSOS
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Mauro
Darcy Spinato
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Quinta série primária. Dez anos. Moleques iniciando a pré-adolescência no começo dos anos setenta. Cabecinhas vazias, ansiosas para conhecer mais um professor que estava por chegar. Ainda sem muito entender esta confusão de professores entrando e saindo da sala a cada hora, cada um com um assunto diferente. Matemática (argh!), história, ciências. Lá vem ele. Vejam só como é velhinho. Parece um papai Noel. Falta apenas a barba. Olha a pose. Como caminha ereto e com passos firmes. Os óculos também são de papai Noel. Há um sorriso estampado no rosto. Bonachão. - Bom dia, crianças! E não se esqueçam da vírgula após o "bom dia" nem o ponto de exclamação no fim da frase. O coro obediente responde ao cumprimento. A voz também é parecida com a do papai Noel. - Eu sou o professor de português. Meu nome é Florêncio. Não fosse a avançada idade do professor e a minguada idade da turma, o mundo teria vindo abaixo. Florêncio? Que nome estranho. Coitado, pensamos engolindo as próprias risadas. - Hoje na nossa primeira aula, quero conhecer a todos, ver suas letras e seus pensamentos. Vamos fazer uma redação. O desespero tomou conta de todos. O que é uma redação? O que ele quis dizer com "conhecer nossos pensamentos" ? Um burburinho geral formou-se na sala. - Não sabem o que é uma redação? Não tem problema. Vamos fazer uma composição. Escrevam sobre o que gostam, falem sobre as férias, sobre o que sentem, contem os seus sonhos. E fizemos então nossa primeira redação. Enquanto escrevíamos, aquele velhinho caminhava pela sala elogiando um ou outro, comentando que conhecia os pais deste ou daquele. Às vezes assoviava uma música; outras vezes cantava. Com as cabeças baixas olhávamos furtivos aquela figura simpática e diferente, acostumados que estávamos com professores austeros e sisudos. A sua alegria contagiava e iluminava toda sala. Então sentimos pela primeira vez como trabalha uma pessoa que tem paixão pela sua profissão. Mais que o nosso professor de português, ele foi um professor de vida. Muito mais que português, aprendemos ética e respeito. Acompanhou nossos primeiros passos pela filosofia, que tanta falta faz nos dias de hoje, Nos ensinou ecologia numa época em que era moda derrubar florestas. Moral, integridade e Deus eram assuntos constantes em suas aulas. E, principalmente, nos ensinou sermos apaixonados pelos nossos sonhos e nossos ideais E os dias foram passando e as redações acumulavam-se. O incentivo e o vigor daquele professor era tanto que nem quando doentes faltávamos as suas aulas. A paixão pelos livros entrou em nós como que por osmose. Nada foi forçado. Aprendemos a gostar de ler e escrever. Vimos que através da escrita podíamos expressar melhor os nossos sentimentos e revelar com mais precisão o que havia dentro de nossas almas. Hoje, muitos anos depois, ficaram no baú centenas de "composições" que um dia prometemos transformar em livros, mas lidas agora revelaram-se muito íntimas. Naqueles dias colocávamos no papel a nossa essência pura, sem as máscaras da sociedade. Hoje somos adultos e não fica bem sermos autênticos. |
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