ANOS
DE CRISE FINANCEIRA
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Leila
de Barros
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Nos primeiros dias da crise da bolsa de valores de Nova York e da quebradeira de bancos, Mariane pensou que fosse enlouquecer, perder todos os cabelos e o marido rentável. Deu um tempo em todos os cursos que estava frequentando, começou a ler freneticamente todos os jornais de economia do Brasil e do mundo. Pós-graduada, mestrada, com MBA na Getúlio Vargas e com uma vida de muita sofisticação, ela já pensava no desespero que se instalaria no seu apartamento (que possuía até proteção para ruídos em todos as instalações hidráulicas, inclusive nas válvulas de descarga dos banheiros) se a crise fosse mesmo muito retumbante. Os dois poodles não poderiam mais frequentar os pet-shops três vezes por semana, o caviar seria racionado, as quatro empregadas e as duas cozinheiras precisariam praticar o revezamento 6 por dois. Suas compras na Daslu seriam reduzidas e sua reputação e prestígio entre os conhecidos seriam abalados, assim como sua pele tratada com leite de cabra e cremes importados. Seu marido entrou em depressão e comprou mais dois vidros de loção anti-queda de cabelo. Mas, Laura não se deu por vencida. Passou várias noites no seu laptop criando estratégias de sobrevivência para a crise e a fase pós-crise. Decidida marcou uma reunião com o marido após o jantar. Anunciou solenemente que havia tomado decisões radicais para que ambos pudesse passar pela crise sem maiores consequências. Ela começou a lista de decisões comentando com ele que as três vezes por semana de amor seriam reduzidas para apenas uma enquanto durasse a crise, para economizar em preservativos e no consumo de energia elétrica com os banhos de banheira ou de chuveiro com óleos importados ou sais de banho. Tudo era sempre realizado com muito asseio e perfumes... O marido para não contrariar Mariane, concordava com tudo, sempre... Outras decisões foram relatadas ao pobre e aquiescente marido. Nos primeiros meses da crise eles quase nem se falavam e muito menos se tocavam, havendo entre eles apenas um relacionamento formal, diplomático, executivo e resignado. Mas, Mariane foi ficando cansada de tantas privações e seu marido cansado das exaustivas tarefas e das longas noites solitárias sem o perfume e o aconchego da esposa, que na verdade nunca fora mesmo muito chegada a grandes arroubos de carinho. Sempre muito elegante e polida, sexualmente controlada e perfumada! Até que... um certo presidente diferente foi eleito nos Estados Unidos da América... Nos primeiros anos de seu governo ele distribuiu todos os bens dos ricos para os pobres, todas as casas da Califórnia e de Hollywood para os sem teto e assim por diante. E assim... um certo presidente do país de moradia de Mariane e seu marido se sentiu na obrigação de fazer o mesmo. Bancos se fundiram, as pessoas se uniram, criaram fusões e soluções para a nova crise. Mariane e o marido hoje moram na casa da "Das Dores", a que era a arrumadeira da casa deles anteriormente. A "Das Dores", que era muito generosa, construiu um "puxadinho" para os dois morarem. E hoje eles almoçam aos sábados ouvindo pagode e comendo feijoada, preparada pela Mariane, que atualmente comercializa produtos importados trazidos do Paraguai. A casa deles foi invadida pelos sem-teto de Brasília... |
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