Tema 182 - Primeiros anos
BIOGRAFIA
UM BRILHO, UM OLHAR
Flavio Luengo Gimenez

Você está na rua, caminha placidamente, sem nenhuma pretensão. Observa as árvores, elas lhe transmitem paz em movimentos lentos, os galhos rangendo em suaves balanços. O vento não chega a atrapalhar, nem a incomodar. Aí você vira os olhos e amplia seu horizonte. Vê as pessoas conversando, passando devagar, uma jovem de suéter branco com um filho ao colo e seu marido de bicicleta, uma moça de olhos grandes com um sorvete imenso escorrendo pelas mãos, com cara satisfeita; um velho e seu andar em bloco, típico da doença de Parkinson, com um absurdo guarda-chuva aberto em plena sombra. Pássaros voando nos altos galhos, folhas descrevendo espirais no ar cristalino da manhã. Você está na rua, caminhando feliz com sua breve existência, não precisa de mais nada a não ser inalar este ar frio que veio da madrugada e invadiu a manhã cheia de poças molhadas que refletem miríades de pernas e nuvens esparsas que rareiam com o vento e afilam-se no horizonte. Nada mais que a existência lhe basta, como é bom sentir estalar os ossos da perna ao esticar um pouco mais para alcançar o meio-fio da calçada que teima em aumentar a distância de seu pé preguiçoso.

Nada mais é preciso que o saber encontrar-se com a mais leve das criaturas, justamente a que olha insistentemente em sua direção e você não vê, absorto que está com a visão de paraíso que domina a manhã mágica. Você se lembra de só uma dessas manhãs, numa praia distante, quando corria e os reflexos do sol tingiam de cores e brilhos sua face salgada pelos ventos do mar que batia nos rochedos ao longe.

Você apenas caminha e nada mais. Insistem os olhos da pequena, coisa que nenhum mortal jamais consegue explicar, mas a física quântica sim: Você influencia o objeto observado, parte de você passa a ser parte do outro, que se modifica benevolamente, portanto partes dela faziam parte de mim e partes de mim das dela, é vital esta interação. Você apenas caminhava, agora já é parte de seu olhar insistente, apenas respiração lenta, olhos bem abertos, ouvidos atentos, agora faz parte de seus poros, de suas idéias, seus pensamentos se povoam da dúvida que esse olhar pode provocar, mas já seu olhar encontra o dela.

Você apenas caminhava só. Nada mais era necessário. Nada mais era preciso, nem nada era demais ou de menos. Como nos primeiros tempos, bastava-se a si mesmo...

Agora dois vultos seguem na manhã ensolarada e tranqüila. Um todo sorrisos, outra toda espera. Num passo uníssono, eles se olham e conversam misturando suas vozes aos ruídos do parque ensolarado.

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