Como em toda manhã, Mariana se levantava bem cedo, antes mesmo de o sol nascer, passava o café, punha à mesa, pegava a bolsinha de moedas e ia comprar o pão quentinho na padaria da esquina.

No caminho, invariavelmente, encontrava bandos de crianças, todas uniformizadas, sorriso no rosto, gritinhos contentes, na inocência de seus primeiros anos escolares.

Ela se lembranva, então, de sua infância tão distante...

Lembrava dos sonhos de se matricular também numa escola, e aprender a ler e escrever, e desfrutar daquele mundo, de ser feliz como as outras crianças de sua idade. Porém, filha caçula de uma família de 8 irmãos, muito cedo precisou trabalhar, empregar-se na casa da "madrinha", que a acolheu e que a mantinha alimentada, agasalhada, abrigada do frio e da chuva.

Devia-lhe uma profunda e sincera gratidão.

Os tempos eram outros, criança não tinha direitos, não reclamava nem exigia.

Os sonhos acalentados naqueles primeiros tempos na cidade ainda existiam em sua memória, passados mais de cinqüenta anos! Lá estavam guardados, como tesouros valiosos, e tornavam menos pesados os seus dias de trabalho duro, e a ajudavam a atravessar a solidão das noites no quartinho dos fundos da casa onde ainda morava.

Perdera completamente o contato com os pais e com os irmãos; perdera a infância e a mocidade; gastara toda a sua vida cuidando dos patrões, dos filhos dele e, agora, dos seus netos. Só não perdera aquela olhar luminoso e brilhante, que se acendia sempre que Mariana avistava, a cada manhã, os bandos de crianças a caminho da escola, sorrindo, gritando, com seus uniformes...

E, por alguns instantes, sua alma voltava a ser criança, e ela sorria também...